Coordenador, junto com Alexandre Schubert, do evento promovido pela Escola de Música da UFRJ, o professor nos fala sobre o festival, de sua participação em todas as edições e, também, do que espera para este ano.
De 4 a 11 de outubro de 2024, a Escola de Música da UFRJ, com o apoio do Projeto Bandas: Sistema Pedagógico de Apoio às Bandas de Música, promove o XXXI Panorama da Música Brasileira Atual, um dos mais importantes festivais de música brasileira contemporânea. Nesta entrevista, o professor Roberto Macedo – que, junto com o colega Alexandre Schubert coordena esta edição do evento – nos fala sobre o festival e de seu envolvimento com o evento – do qual, inicialmente na plateia, depois como compositor e, finalmente, como integrante de sua organização, ele participa desde sua primeira edição.
Como você se envolveu com o “Panorama da Música Brasileira Atual”?
Eu defino meu envolvimento com o Panorama como uma trajetória da partiu da periferia em direção ao centro. Explico. No final da década de 1970, ainda na qualidade de aluno da Escola de Música, eu tive o privilégio de assistir à 1ª edição do evento (1978), organizado pelo prof. Ricardo Tacuchian. Foi nessa condição que eu acompanhei as edições que imediatamente se seguiram (nessa época o Panorama era anual), como mais um no meio da plateia, captando as tendências estéticas da composição, principalmente aquelas fomentadas dentro do ambiente universitário. A edição de 1994, foi a minha primeira participação como compositor, já como docente do Departamento de Composição da Escola. Desde então, eu estive envolvido com o evento, seja na qualidade de compositor, seja como participante da organização do mesmo.
Em 2022 fui convocado pelo Departamento a exercer a coordenação geral do evento. Desde o final da década de 90, o Panorama havia se tornado um evento bienal, alternando-se com a Bienal de Música Brasileira Contemporânea. Em 2018, aconteceu a 29ª edição, sendo que a próxima seria no ano de 2020. Como todos sabem, a pandemia interrompeu todas as atividades, e o Panorama previsto para acontecer em 2020 acabou não ocorrendo, só podendo ser reeditado em 2022. Depois de 44 anos sem interrupção, foi a primeira vez que o evento não foi realizado.
Tínhamos uma demanda reprimida de quatro anos, com muitas obras a serem selecionadas e apresentadas. Fomos forçados a empreender redimensionamentos e redirecionamentos, e a comissão organizadora não pôde se furtar a essa dura tarefa. Por outro lado, obtivemos uma oportunidade incrível de renovação, principalmente pelo fato de sermos levados a reformular a forma de divulgar o evento e de propiciar o acesso aos conteúdos respectivos. A transmissão dos concertos pelo canal do Youtube e a divulgação pelas mídias sociais trouxe um novo alento, ao mesmo tempo em que dava um novo alento a essa que é uma mostra de música contemporânea completará neste ano o seu 46º aniversário.
O Panorama da Música Brasileira Atual é um dos mais importantes festivais de música brasileira contemporânea do país, e também um dos mais tradicionais da cidade. Qual o significado desse evento para a Escola de Música da UFRJ e para os compositores brasileiros da atualidade, como você?
O Panorama nasceu, entre outros objetivos, da ideia de propiciar aos(às) jovens compositores(as), especialmente os(as) estudantes dos cursos de composição, a oportunidade de terem suas obras tocadas em uma mostra pública, fora do círculo das exigências curriculares. A Bienal de Música Brasileira Contemporânea era um evento mais seleto, em que, na maioria dos casos, os “novatos” não conseguiam, de pronto, se inserir. Além disso, acontecendo apenas de dois em dois anos, tornava ainda mais difícil o seu acesso.
Ao longo do tempo, o festival foi se firmando com essa característica: de início de cunho regional, abarcando principalmente os(as) egressos(as) dos cursos de composição da UFRJ e da UniRio, aos quais se somavam aqueles(as) alunos(as) que frequentavam os cursos livres da ProArte, mas que nos últimos anos foi se alargando, trazendo então participantes de outras cidades e estados. Por exemplo, nas duas últimas edições, tivemos obras de compositores e compositoras do Nordeste, do Sul e do Centro-oeste, além do Sudeste. Há que se destacar, entretanto, que o Panorama não era, e não é, exclusivamente voltado para jovens compositores(as).
As figuras de maior destaque do cenário da música contemporânea também são convidadas a tomar parte na mostra, como é o caso, por exemplo, dos(as) professores(as) de composição da própria Escola de Música, como de outras instituições universitárias do Brasil. Hoje, mais do que nunca, o Panorama se reveste de uma importância capital na vida artística da Escola de Música, não somente pelo que vem sendo ao longo dos anos, mas pelo que será daqui para frente, já que ele se transformou em um projeto de extensão, com ações que se desdobrarão ao longo de todo o ano, não se restringindo apenas ao festival. Portanto, ele se fará presente durante toda agenda artística anual da Escola, abrindo de forma contínua o espaço à divulgação da produção mais recente dos(as) compositores(as) brasileiros, jovens e veteranos(as), o que antes era reservado apenas para a janela aberta durante a mostra bienal. Essa é a perspectiva que temos para ele daqui para frente.
Além da apresentação das obras em si, o Panorama proporciona um intercâmbio, tanto entre músicos e compositores brasileiros, como, eventualmente, estrangeiros. Poderia nos falar sobre isso?
Sim. Em outras edições temos tido a oportunidade de receber colegas de outros Estados do Brasil, que além de apresentarem suas obras, em muitas ocasiões, fazem parte de painéis, de palestras e mesas redondas. Na edição de 2022 recebemos um compositor do Chile, que fez uma palestra, mostrando seu processo composicional. Na edição de 2024 teremos o compositor Alexandre Eisenberg demonstrando uma faceta de seu processo de composição. Na mesma edição, teremos um encontro com a professora Marisa Resende, durante muitos anos, professora do Departamento de Composição da UFRJ, e que ajudou a formar toda uma geração de compositores(as) atuantes no Brasil e no exterior. Essa é a parte formal do intercâmbio de ideias e conhecimento.
Mas há a não menos importante troca informal, na qual, por intermédio de conversas livres, antes e após os concertos, os(as) compositores(as), os(as) intérpretes e até mesmo o público manifestam suas impressões e discutem questões estéticas e conceituais das obras e do cenário musical do Brasil.
Desde que começou a acompanhar o festival, você percebeu alguma mudança significativa em relação ao tipo, qualidade e variedade do repertório apresentado pelo evento? Quais são as suas expectativas para o Festival deste ano?
Sim, desde 1978 pude assistir a dois momentos distintos: o primeiro era ainda impulsionado pelos movimentos vanguardistas das duas décadas anteriores, provenientes, principalmente da Europa e dos EUA. Grande parte das obras traziam esse caráter, algumas ainda surfando na onda iconoclasta desse período. Havia também muito daquilo que chamamos de “experimentalismo”. Mudanças começaram a ocorrer no final dos anos 80, com um certo esgotamento dessa vertente. Embora o gosto pela experimentação estética e técnica ainda embale certo segmento de compositores, a busca por mais simplicidade e uma certa ânsia por maior comunicabilidade com o público de não músicos, fez com que uma certa quantidade de obras apresentasse uma proposta diferente daquela vista e ouvida anteriormente.
Então, poderíamos dizer que as duas vertentes continuaram (e continuam) a conviver muito bem nesses últimos 30 anos. À parte disso, não podemos deixar de falar do crescimento de importância da parte reservada à música eletroacústica, audiovisual e afins que, no início era inexistente, ou muito tímida, e que nos últimos 25 anos, mais ou menos, angariou espaço e relevância no festival, isso muito devido à implantação do setor de composição de música eletroacústica no Departamento de Composição da Escola de Música.
O Panorama da Música Brasileira Atual
Um dos mais importantes e tradicionais festivais de música brasileira contemporânea do país, o Panorama da Música Brasileira Atual é promovido desde 1978, sendo também o festival nacional de música brasileira com maior número de edições. Ao longo desse tempo, fizeram parte de sua programação dezenas de estreias mundiais, interpretadas pelos corpos estáveis da Escola de Música da UFRJ e convidados. São dezenas de músicos, mobilizados para a execução cuidadosa desse repertório, que vem formando um importante acervo criativo.
A biografia de Roberto Macedo
Roberto Macedo nasceu em São Gonçalo, RJ e graduou-se em Regência pela Escola de Música da UFRJ em 1990, tendo realizado na mesma instituição o Mestrado em Música (Composição), defendendo uma dissertação sobre a escrita polifônica dos quartetos de cordas de Heitor Villa-Lobos. Ele exerce o cargo de professor das disciplinas Contraponto e Fuga, no Departamento de Composição da Escola de Música/UFRJ desde 1993. Foi finalista no 3o Concurso Nacional de Composição do Instituto Brasil – Estados Unidos/IBEU, com a obra “Intermitências”, em outubro de 2002, obra que foi executada na XV Bienal, em 2003 e foi ganhador do 1º prêmio do IV CICC – Concurso Internacional de Composição para Contrabaixo, em Belo Horizonte, MG, EM 2005, com a composição da parte de piano para a peça “Impromptu” (1898), para contrabaixo e piano, cuja parte original de piano encontra-se desaparecida. Em 2007 foi premiado com o 3o lugar no Concurso Nacional de Composição da Orquestra Sinfônica da USP – OSUSP em homenagem ao centenário de Camargo Guarnieri, com a obra “Suíte Característica”.
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