J. J. de SOUZA NEGRÃO

José Joaquim de Souza Negrão foi um compositor que viveu na Bahia, entre o final do século XVIII e as primeiras três décadas do século XIX. Poucos dados sobre sua vida e atuação chegaram aos nossos dias. Uma das referências é um requerimento de 1817 a Dom João, no qual o compositor defende a necessidade de ser criada uma cadeira de música em Salvador e solicita ser nomeado. Outro documento é exatamente a resposta de Dom João, na qual ordena ao então governador da Bahia, em 1818, que crie a referida cadeira pública de Música, para a qual nomeou Souza Negrão, que a ocupou até sua morte, em 1832.

O compositor já havia sido mencionado em livros, por pesquisadores como Maria Luiza Queiróz Amâncio dos Santos (1943), Manuel Querino (1955), Mercedes Reis Pequeno (1982) e Jaime Cavalcanti Diniz (1986). Sua música, no entanto, permanecia desconhecida do público. Da produção de Souza Negrão sobreviveram apenas duas cantatas: *A estrella do Brazil* (1816), guardada no Museu Histórico Nacional, e *O último cântico de David* (1817), do acervo da Biblioteca Nacional.

Em 1990, o compositor e regente Ernani Aguiar acessou os manuscritos e montou as duas partituras a partir das partes vocais e instrumentais. Lamentava-se a perda das aberturas das duas obras, cujas partes não se encontravam junto aos respectivos manuscritos. Já era 1996, enquanto auxiliava bibliotecárias na identificação de obras, quando Aguiar se deparou com outro conjunto de manuscritos de *A estrela do Brasil*, dessa vez na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no qual constava a abertura. Esse conjunto de partes ficou por anos desconhecido, pois estava misturado com o material de uma obra de mesmo nome, de autoria de Henrique Alves de Mesquita. Depois de ter sua partitura restaurada, a abertura de *A Estrela do Brasil* foi ouvida novamente – 180 anos depois de sua composição – em concerto da Orquestra Sinfônica da UFRJ, no Salão Leopoldo Miguez, sob a regência de Ernani Aguiar, em 10 de maio de 1996.

A edição para o Repertório Sinos utilizou como fonte o conjunto de manuscritos do acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, composto por partes de flautas I e II, clarineta, fagote, trompas I e II, trompetes I e II, e cordas com violinos I e II, violas e baixos. A parte de tímpanos, sempre presente no repertório da época em obras com trompetes – e muitas vezes não grafada pelo compositor, mas improvisada pelo timpanista – foi elaborada por Ernani Aguiar.

A *Abertura* de Souza Negrão é, junto com as compostas por José Maurício Nunes Garcia e João de Deus Castro Lobo, uma das poucas obras do repertório orquestral brasileiro do final do século XVIII e início do XIX, período no qual predominam as obras sacras e vocais. A cantata *A Estrela do Brasil* foi dedicada “ao Sereníssimo Príncipe da Beira, para o dia 12 de outubro de 1816” – ou seja, ao príncipe Dom Pedro – e composta “sob os auspícios” de Marcos de Noronha e Brito (1771-1828), o Conde dos Arcos, último vice-rei do Brasil e governador da Bahia. A música de Souza Negrão é de estilo operístico italiano, no qual predomina a melodia acompanhada, apresentada pelos violinos e pelos solos de flauta, clarineta e fagote. É um estilo, portanto, condizente com o gosto musical que predominava na corte brasileira. A abertura é dividida em duas partes, com uma introdução em andamento Poco Adagio e métrica ternária, seguida de um Allegro em métrica quaternária – cujo andamento fluente, porém, induz a uma marcação *in 2*, para a qual o revisor sugere uma cifra metronômica.