Pedro Araújo (em primeiro plano, na foto) é mestrando em Música pela UFRJ e integrante da Orquestra Voadora. O músico é um dos instrutores do Festival Acessibilifolia. Na oficina de percussão e iniciação musical, que conta com crianças e pré-adolescentes com deficiência visual, ele tem usado a criatividade para trazer uma diversidade de estímulos sensoriais no fazer musical. Valorizando a diversidade e a inclusão, ressalta: “Músico é quem faz música. Não importa se fácil ou difícil, simples ou complexa… Produziu som ou a sensação de vibração no corpo, já tem o recurso para fazer música.” Nesta entrevista, Pedro nos fala de sua trajetória como percussionista e violonista – ou melhor, “batucador de violão”, como ele prefere se definir.
**Como começou a sua trajetória na música?**
Primeiro, primeirissimamente, foi com 16 anos indo para a Baixada Fluminense tocar guitarra com banda de hardcore. Eu era autodidata ainda, cru, mas era sentimento puro (risos), o que há de fundamental em arte. Aos 23, através da escuta do trabalho da banda Cordel do Fogo Encantado, comecei a vislumbrar outros recursos para expressar essa intensidade de que gostava, com os tambores, o violão de sotaque próximo à viola nordestina e a intensidade poética da literatura de cordel….um universo. Então, fui buscar aulas de percussão na oficina do Rio Maracatu. Dali fui tendo contato com outras referências e fiz aulas de diversos instrumentos de percussão e estilos musicais.
Em 2007, passei a ter aulas de violão também, mas me vejo como um “batucador de violão” (risos), alguém que se foca no ritmo. Em paralelo também sempre gostei de escrever versos.
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**Você está sempre criando ritmos, novas performances, composições. O que o inspira?**
Sempre tive um lado experimental, um espírito faça-você-mesmo que, a meu ver, deve sempre ser mantido em paralelo ao aprendizado com professores. Dessa forma, ao longo do tempo já tive muitos mestres, mas sempre busquei tentar usar seus ensinamentos para construir uma linguagem musical a meu jeito em algumas coisas. Nesse sentido, sempre me fascina aprender com crianças, pois elas costumam ter esse senso de experimentação em essência. A gente ensina a elas a manusear o instrumento de um jeito, elas pegam o objeto e viram de cabeça pra baixo, do avesso, batem em outra parte, tiram outros sons. Daí elas ensinam a gente de volta.
**Além de músico, você também atua como designer, outra atividade que requer criatividade. Tudo isso se complementa?**
Eu creio que sim. Acho importante a gente ter uma visão em alguma medida multidisciplinar sobre as coisas que a gente cria. Claro que é impossível se aprofundar em tudo e cada um tem as suas especialidades. Mas me parece importante pensar de que forma uma música ou uma banda pode ser associada a um conceito gráfico, coreográfico, cênico etc. Eu hoje trabalho essencialmente com música, mas uso o design gráfico para divulgar alguns de meus projetos ou para buscar enriquecer alguns materiais pedagógicos que confecciono.
**Você toca em orquestra popular e bloco e, ao mesmo tempo, tem formação tradicional em Música, com graduação e cursando mestrado na UFRJ. Como um lado influencia o outro?**
Fiz licenciatura em Música na graduação e agora estou fazendo mestrado na linha de Educação Musical. Creio que as vezes ocorre no nível imaginário, ou mesmo prático, uma certa dicotomia entre “popular” e “acadêmico”, quando o diálogo deveria estar mais próximo. Na minha graduação, me conectei a projetos de extensão que buscavam trazer para dentro da universidade o cultivo de saberes de “fora dos muros” e promoviam a vinda de mestres de cultura popular. No mestrado, busco cursar matérias que falam de culturas de diversas matrizes. Pela outra via, acredito que um bom curso universitário ajuda a tecer reflexões sobre a prática e se obter referências de leitura que podem nos ajudar na preparação pedagógica, de uma forma geral.
**A Orquestra Voadora já desenvolve há um bom tempo um trabalho de acessibilidade, servindo de exemplo para outros blocos e orquestras. Quando o grupo se deu conta da importância de trabalhar para um Carnaval mais inclusivo?**
Acredito que a Orquestra Voadora, de forma espontânea e não-calculada inicialmente, sempre teve um perfil inclusivo, em um sentido mais amplo. Ela nasceu como uma banda, com integrantes delimitados como qualquer outra, mas seus ensaios, ao ar livre desde o início, atraíram outras pessoas interessadas em aprender a tocar um instrumento. Passamos então a buscar compartilhar essa prática com quem chegasse nos ensaios. Esse processo deu origem a um bloco e, posteriormente, a uma oficina formalizada.
Dentro da oficina, passamos a perceber que deveríamos tentar democratizar o acesso a alunos para além da nossa “clientela” habitual. Esta busca se dá com esforços para democratizar tanto o acesso a aulas de música para quem tem dificuldades econômicas, quanto para quem tem algum tipo de dificuldade física. Creio que ainda temos muito a aprender sobre essas questões e expandir essas práticas. Mas estamos caminhando, e fazer parte do projeto Acessibilifolia é uma forma maravilhosa de progredirmos nesse sentido.
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**Você participa de um projeto vinculado ao Doutores da Alegria. Poderia nos falar sobre isso?**
Tanto eu quanto alguns professores da banda e da oficina nos apresentamos de forma regular em um dos grupos que atuam no projeto Plateias Hospitalares, vinculado à instituição Doutores da Alegria – RJ. Este projeto se encontra em pausa devido à pandemia de COVID-19, mas estamos ansiosos para voltar a participar quando possível. É gratificante fazer esse trabalho e buscar colaborar com o processo de recuperação dos pacientes através de momentos de afeto, arte e humor.
**Nos fale um pouco sobre a oficina de percussão e iniciação musical da Orquestra Voadora no Festival Acessibilifolia.**
Dentro do projeto Acessibilifolia estou trabalhando com crianças e pré-adolescentes cegos ou com baixa visão. Estou usando uma gama ampla de instrumentos com timbres, formatos e formas de manuseio diversas. Para se bater com as mãos ou baquetas, com os braços ou pés, esfregar, sacudir e descobrir novas formas de tocar. A ideia é trazer uma diversidade de estímulos sensoriais no fazer musical, tanto aos ouvidos quanto ao tato, à imaginação e a criatividade instrumental.
**Que dicas ou conselhos você daria para quem sempre teve vontade de aprender música – independentemente da idade, da experiência, de ter ou não alguma deficiência – e que ainda não teve coragem de começar?**
Músico é quem faz música. Não importa se fácil ou difícil, simples ou complexa. Não importa ser iniciante ou experiente, amador ou profissional, se jovem ou idoso. Produziu som ou a sensação de vibração no corpo, já tem o recurso para fazer música. É como qualquer outro fazer, que se aprende e exercita. Não se restringe a um grupo de “escolhidos” que nascem com o poder de fazer aquilo. Não se compare a ninguém. Faça algo mais simples – divirta-se!!!
**Pedro Sayd Araujo** é percussionista, violonista, compositor, professor de música, arranjador e de vez em quando arrisca uns versos.
É integrante da banda Orquestra Voadora, do Rio de Janeiro, além de ministrar aulas de agbe para o bloco do grupo. Ministra aulas de percussão na oficina experimental ABC TOCA e também é professor de agbe para o grupo Fanfarrinha. Trabalha em projetos de apresentações artísticas hospitalares vinculados à instituição Doutores da Alegria – RJ e é professor particular de percussão e violão. Licenciado em Música pela UNIRIO em 2019 e mestrando em Música pela UFRJ na linha de Educação Musical.
O **Festival Acessibilifolia** ocupa o Teatro Cacilda Becker durante todo o mês de abril, com intensa programação até o dia 27, destinada a pessoas com e sem deficiência. O foco é discutir a acessibilidade no carnaval carioca, que este ano será oficialmente celebrado a partir do dia 20 de abril, em virtude da pandemia do Covid-19.
Todas as atividades do Festival contam com recursos de acessibilidade física, interpretação em Libras e mediação acessível; e as apresentações, contarão também, com audiodescrição.
A Orquestra Voadora está ministrando duas oficinas no Festival: Oficina de Percussão e Iniciação Musical, com Pedro Araújo, cujas vagas estão esgotadas e a Oficina de Adereços e Alegorias, com Luíza Süssekind, que segue com inscrições abertas https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfeEx9–ZYljOXEvfUhufsXP3H4nkSggBrITL_wGdJWBVUcdQ/viewform
O festival conta ainda com shows e rodas de conversa, com participação de outros grupos, além da Oficina de Instrumentos da Alegria, com Mestre Riko e idealização do Embaixadores da Alegria, cujas inscrições já encerraram. Veja a programação completa aqui no site.
***Assista vídeos do projeto Acessibilifolia neste site e no canal Arte de Toda Gente no Youtube https://www.youtube.com/c/ArteDeTodaGente***