Uma viagem musical no tempo

No dia 20 de abril, o Trio 3 por 8 foi a atração da Mostra Arte de Toda Gente Rio de Janeiro no Teatro Dulcina. Com repertório e acervo ricos em composições e instrumentos medievais, o grupo encantou a plateia com sua apresentação, que incluiu não apenas a performance musical, mas também informações e curiosidades, compartilhadas sempre de forma bem-humorada pelos músicos. As obras de época criaram um clima de viagem no tempo.

Durante a maior parte do concerto, o trio se apresentou com Eduardo Antonello no cravo, Roger Ribeiro em seu violino com cordas de tripa de carneiro e violoncelo de spalla e Pedro Hasselman, revezando diversos instrumentos de sopro, com variados tipos de flautas, gaita de foles e outros. Além do revezamento entre os próprios músicos, Isabella Bragança, esposa de Eduardo, subiu ao palco durante uma das passagens do concerto para contribuir como convidada especial tocando uma Viela de Roda – instrumento medieval popular constituído por uma caixa de ressonância com uma manivela embutida e um braço com teclado. Para tocar, é necessário girar a manivela ao mesmo tempo em que os dedos pressionam as teclas.

Ao final do espetáculo, conversamos com Pedro Hasselman sobre a história do grupo, curiosidades sobre os instrumentos e muito mais. Confira a seguir:

**Como surgiu o nome do grupo?**
O 3 por 8, na verdade, é uma menção ao compasso musical e também à nossa formação, pois nós somos três músicos nos revezando em diversos instrumentos. É claro que o oito é um número teórico, mas se refere a essa pluralidade do grupo.

**Já houve algum convite para fazer trilha sonora de projetos com temática medieval ou uma perspectiva histórica?**
Nós nos conhecemos em um projeto para fazer trilha sonora de um espetáculo de dança da companhia da Márcia Milhazes. É uma companhia de dança contemporânea e nós tocamos a trilha sonora ao vivo durante a temporada do espetáculo, em 2016. Depois, eu e Eduardo fomos convidados a participar da trilha sonora da novela “Deus Salve o Rei” (Rede Globo). Junto ao produtor musical, nós fizemos toda a parte da trilha sonora dita “de época”.

**Então o grupo se formou a partir desses projetos?**
Na verdade, já éramos amigos antes, mas o começo do grupo foi efetivamente nessa temporada do espetáculo de dança da Márcia Milhazes. Isso foi o que nos aproximou e fez com que nós formássemos o Trio.

**Esses instrumentos medievais, de certo modo, serviram para evoluir para o que tem hoje de mais convencional no mercado, ou são caminhos opostos? Você acredita que um músico com experiência multi-instrumentista, mas acostumado com instrumentos musicais “convencionais” vai ter facilidade para experimentar este acervo tão específico de vocês?**
Acredito que são caminhos diferentes, porque não necessariamente uma transformação no tempo dos instrumentos leva a instrumentos “melhores”. Não é uma evolução no sentido de melhorar os instrumentos. Nós não acreditamos nisso. Bom, uma pessoa que venha de um outro instrumento tem algumas facilidades, porque já lê música, já tem uma técnica de base. Mas, por outro lado, pode ser que tenha alguma dificuldade sim, pois teria que desfazer alguns conceitos musicais, alguns conceitos estéticos, que são próprios da música antiga. E vice-versa né? A pessoa que toca música antiga, se vai tocar música posterior, também tem que se inserir um pouco nessa estética. Em compensação, a música antiga é muito interessante para a pessoa se iniciar, porque ela é um pouco mais democrática do que a música de concerto mais tocada: com poucas notas e com pouca participação você já consegue fazer música junto. Tem muita improvisação e muitas coisas simples que possibilitam encontrar soluções mais fáceis para se integrar em uma prática musical.

**E hoje, no palco, também houve improvisação?**
Um pouco! As vezes a improvisação é escrita e as vezes um pouco de momento, as duas coisas.

**Como vocês conseguem esses instrumentos? Muitos deles são réplicas, como vocês mesmos disseram durante o espetáculo, mas há originais também?**
Eu sou flautista, embora também toque outros instrumentos antigos, como a gaita ou a vela de arco. A gente vai adquirindo esses instrumentos ao longo da vida, com os nossos próprios recursos. Nem sempre é fácil. Temos alguns bons luthiers de instrumentos antigos no Brasil, mas não de todos os instrumentos antigos, então muitas vezes a gente tem que encomendar fora. Como também são instrumentos que não têm uma saída muito grande, as vezes você precisa entrar numa fila, ou comprar um instrumento usado. Há todo um trabalho que não é como você ir a uma loja de música e procurar um violão, ou encomendar na internet, onde você pode facilmente encontrar esse violão. Claro que existem violões de autores, mas eu diria que é mais difícil encontrar um instrumento desse tipo do nosso acervo.
E também há a dificuldade em mantê-los, porque tem, por exemplo, as cordas, que são de tripas, no caso do violino do Roger. É uma sonoridade específica e também tem um desgaste maior. Ela se rompe com mais facilidade do que as cordas de aço, é preciso encomendar, também tem um custo, uma demanda e nem todo lugar vai poder atender. É comum que as cordas se rompam, já aconteceu até em concerto, mas pra isso a gente também tem um instrumento estepe, pra não ficar na mão (risos).
Nós também participamos de outros grupos além do 3 por 8. O Eduardo e o Roger participam da Orquestra Barroca da Unirio, eu participo de dois grupos de música medieval. A gente já vem com uma bagagem, da soma dessa bagagem fizemos o trabalho com o 3 por 8.

**Qual desses instrumentos é o seu preferido?**
É difícil escolher um instrumento apenas, acho que é por isso que eu toco todos esses (risos). Cada um tem seu encanto, sua particularidade e evoca coisas diferentes. A flauta, por exemplo, pode evocar um ambiente pastoril. A gaita também, mas tem uma coisa um pouco hipnótica, um som contínuo no decurso da melodia, então é uma história de você se auto acompanhar. Há outros instrumentos que eu não trouxe aqui, como a vela de arco, um instrumento muito usado na idade média… todos eles têm o seu lugar pra mim.

**Como é o relacionamento com o público? As pessoas costumam fazer perguntas ao final do espetáculo ou interagir de outras formas?**
Esse nosso espetáculo tem a intenção de aproximar o público. Uma música historicamente distante no tempo, mas que tem alguns elementos que talvez cativem. Na verdade, é você que vai dizer né? Afinal, você é público. Mas, por exemplo, a presença de uma dança é uma coisa que cativa.
A ideia de quebrar um pouco a barreira da formalidade da música de concerto e aproximar o público no sentido de fazer algumas brincadeiras e tornar uma coisa mais leve, não tão erudita. Porque música antiga não é necessariamente erudita Muitas vezes é uma música popular ou de inspiração popular. Então acho que faz sentido a gente aproximar as pessoas para esse ambiente, também para a curiosidade com os instrumentos e para uma iniciação com a música desse tipo. É normal as pessoas chegarem ao final para pedir mais explicação, olhar o instrumento de perto, ver como funciona. Nem sempre a explicação que damos no palco é a mesma coisa que chegar aqui pertinho, apesar de a pessoa ouvir o som, ela ainda quer saber ao certo como funciona, de que material é feito, qual é a mecânica do instrumento… faz parte da nossa apresentação estar aqui para esse momento de explicação.

**De onde veio a curiosidade e a vontade de conhecer os instrumentos mais antigos, históricos, medievais? Como isso foi apresentado a você?**
Eu tive a felicidade de ter um professor de flauta doce que já era interessado por música antiga, isso há muito tempo. Ele que me introduziu nesse universo e a flauta doce já é um instrumento voltado para esse tipo de música, grande parte do repertório para flauta doce é de música antiga. A partir daí, fui me interessando cada vez mais por instrumentos, por outros timbres além da flauta. Mas o meu instrumento primário foi a flauta doce e continua sendo.

![TR Trio 3 por 8 2.jpg](https://admin.sinos.art.br/uploads/TR_Trio_3_por_8_2_c1d555de6f.jpg)

*Fotos de Felipe Portugal – divulgação*