Nesta entrevista, o maestro e professor André Cardoso fala sobre os 100 anos da Orquestra Sinfônica da UFRJ, uma das mais antigas em atividade no país, de sua importância na trajetória da música orquestral brasileira, na Universidade e também de seu papel fundamental nas ações do Sistema Nacional de Orquestras Sociais.
Em setembro de 2024, a Orquestra Sinfônica da UFRJ – OSUFRJ completou cem anos. Uma das mais antigas formações do gênero em atividade no país, a orquestra é, também, uma das que mais constantemente se renova – a maior parte de seus componentes é de alunos da Escola de Música da UFRJ – tendo também constantemente a estreia de novas composições em seus programas. Nesta entrevista, o professor e maestro André Cardoso, diretor artístico e regente da orquestra, professor de Regência e Prática de Orquestra na Escola de Música e coordenador do Sistema Nacional de Orquestras Sociais – Sinos, nos fala sobre o perfil da orquestra, da efeméride de centenário e da importância desse conjunto – que, entre muitas atividades, é uma das responsáveis pela por algumas das mais significativas ações desenvolvidas pelo Sinos.
A OSUFRJ é uma das mais antigas orquestras sinfônicas brasileiras em atividade. A que você atribui essa longevidade?
Atribuo à própria longevidade da instituição que a abriga e aos objetivos pedagógicos e artísticos que norteiam o trabalho. A Escola de Música é a mais antiga instituição de ensino musical do país, fundada como Conservatório de Música em 1848. Formar músicos para orquestras e bandas foi um objetivo manifestado no próprio discurso de fundação da instituição, proferido por Francisco Manoel da Silva, seu primeiro diretor. Cumprir tal objetivo significa poder proporcionar aos estudantes a prática orquestral adequada. Ao mesmo tempo, no ano de fundação da orquestra, 1924, não havia no país corpos artísticos públicos estáveis que pudessem oferecer uma temporada de concertos na cidade do Rio de Janeiro. A Orquestra do Instituto Nacional de Música foi uma das primeiras a cumprir tal papel e se tornou rapidamente uma alternativa para que o público carioca pudesse ouvir música orquestral.
Você poderia mencionar alguns destaques ao longo da trajetória da orquestra, citando grandes músicos e maestros que passaram por ela?
Em cem anos de atividades artísticas, foram muitos os instrumentistas e maestros que passaram pela orquestra. No primeiro concerto, em 25 de setembro de 1924, dentre os 33 alunos que formaram o efetivo da orquestra, estavam jovens que se tornariam grandes nomes de seus instrumentos, como os violinistas Oscar Borgerth e Mariuccia Iacovino, o violista George Marinuzzi e o violoncelista Iberê Gomes Grosso. Dentre os maestros, figuram nomes emblemáticos, como Francisco Braga, Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone, José Siqueira e Henrique Morelenbaum. Dentre os solistas, destaco Arnaldo Estrella, Nelson Freire e Paulo Moura, entre muitos.
Ao mesmo tempo que é um grupo histórico, ou seja, um conjunto antigo, por ser uma orquestra de uma universidade (a despeito de contar com alguns músicos concursados e mais experientes), a OSUFRJ deve ser também uma das que se renovam com maior constância, não? De que forma essa renovação tem impacto no trabalho e na, digamos, personalidade da OSUFRJ?
Na Sinfônica da UFRJ os alunos têm o privilégio de contar com colegas de naipe que são alguns dos melhores instrumentistas da cidade, músicos que estão em posição de destaque também em outras orquestras. A renovação é natural, pois os alunos ficam na orquestra por oito períodos obrigatórios, com a possibilidade de estenderem por mais dois períodos de livre escolha. A renovação constante, do ponto de vista artístico, faz com que estejamos sempre atentos ao repertório que é possível abordar. Há também obras que sempre precisam retornar aos programas, de modo que as diferentes gerações tenham contato com as obras emblemáticas do repertório. Por outro lado, é ótimo poder contar com o frescor e o entusiasmo da juventude.
Qual a importância da orquestra para a Escola de Música da UFRJ e para a Universidade como um todo? Como ela se interage com outras escolas e com a sociedade?
A orquestra é um grupo de representação institucional da UFRJ, reconhecida como tal através do Decreto 19.852 de 11 de abril de 1931. Já realizou inclusive concertos com a presença de presidentes da República, ministros e chefes de estado e de governo. Na UFRJ, interagimos com outras unidades participando de eventos quando nossa agenda de concertos permite. A interação mais efetiva se dá por meio do projeto de extensão Ópera na UFRJ, através do qual são reunidos docentes, discentes e técnicos da Escola de Música, da Escola de Belas Artes, com os cursos de cenografia e indumentária; da Escola de Comunicação, que abriga o curso de Direção Teatral, e da Escola de Educação Física, onde está o curso de Dança.
Creio que a OSUFRJ tenha um papel importante em sua própria trajetória pessoal, como músico, maestro e professor. Pode nos falar um pouco sobre isso? Quando aluno, você participou dela?
Sim, certamente. Enquanto aluno fui instrumentista do naipe de violas e me formei no curso de Regência. Em 1994, ingressei como professor substituto, primeiro na cadeira de História da Música e, em seguida, na de Prática de Orquestra. A carreira como regente foi sendo desenvolvida gradativamente também fora da Escola de Música, com a participação em cursos e festivais, com uma especialização na Argentina, com trabalhos variados em que um regente se fazia necessário, em estúdios de gravação, junto a orquestras juvenis, orquestras montadas para eventos etc. O marco, no entanto, foi o Concurso Nacional de Regência promovido pela Orquestra Sinfônica Nacional da UFF, do qual fui o vencedor, que me abriu as portas para as orquestras profissionais. Em 1998 ingressei por concurso como docente efetivo de Regência e Prática de Orquestra na UFRJ, instituição na qual desenvolvo a maior parte do meu trabalho pedagógico e artístico.
A OSUFRJ tem sido fundamental para o Sistema Nacional de Orquestras Sociais, o Sinos, dentro do programa Arte de Toda Gente, parceria entre a UFRJ e a Funarte. Especialmente na produção de conteúdo, com o registro gravado de importantes obras que têm suas partituras resgatadas; peças especialmente compostas para o projeto e apresentações, com esses e outros repertórios. Esse trabalho ganhou ainda mais importância no período da pandemia, justamente quando o Sinos começava suas atividades. Você poderia falar sobre isso e de como tem sido trabalhar com esse grupo (ou seções específicas dele), antes e agora?
O projeto Sinos foi uma iniciativa fundamental da Funarte que, de certa forma, retomou as bases do Projeto Espiral, lançado pela própria Funarte em 1975. A diferença é que naquela época não havia a quantidade de iniciativas de educação musical baseada no ensino coletivo e na prática de orquestra que temos hoje. A Funarte precisou então criar vários núcleos pelo Brasil, comprar instrumentos etc. No Sinos não foi necessário. Decidimos apoiar as iniciativas existentes e intervir exatamente naquilo que avaliamos serem as deficiências, como, por exemplo, a produção de material didático e pedagógico e de repertório orquestral com classificação de nível de dificuldade. O Sinos foi fundamental no período da pandemia, inclusive por gerar trabalho e renda para inúmeros profissionais que produziram os conteúdos digitais. A Sinfônica da UFRJ participou ativamente, gravando boa parte do Repertório Sinos, sejam as obras resgatadas dos arquivos, como aquelas que foram encomendadas a compositores de todo o Brasil.
Para comemorar seu centenário, a OSUFRJ tem feito uma série de concertos, com um repertório especial para essa efeméride, incluindo obras que fazem parte de sua história, como estreias mundiais de peças de compositores renomados. Como foi feita essa seleção e o que devemos esperar para os demais concertos desta temporada comemorativa?
A seleção foi feita a partir de um levantamento de todo o repertório executado entre 1924 e 2023. Trouxemos de volta aos programas, por exemplo, obras que foram executadas no concerto de estreia da orquestra, obras dos maestros compositores, como Ernesto Ronchini, Francisco Braga, Raphael Baptista e Ernani Aguiar; obras que marcaram determinadas fases ou características da orquestra, como o Batuque, de Lorenzo Fernandez, estreado na temporada de 1930, que enfatiza a abordagem constante do repertório brasileiro e contemporâneo. Até o fim da temporada, vamos ter obras referenciais do repertório que a orquestra nunca abordou, como o Réquiem de Mozart, em 31 de outubro, e a suíte Sheherazade, de Rimsky-Korsakov, em 29 de novembro, na Sala Cecília Meireles. Encerraremos o ano com nosso tradicional Concerto de Natal, em 19 de dezembro, na Igreja de São Francisco de Paula. O centenário, todavia, só termina em 25 de setembro de 2025 e muitas novidades virão na próxima temporada.
Quais são as perspectivas da OSUFRJ para o futuro, próximo e de longo prazo? Há algum tipo de evolução ou objetivo a alcançar?
Sim, temos muito trabalho pela frente. Estamos confiantes de que a UFRJ irá finalmente assumir a sua orquestra sinfônica refletindo sua institucionalidade no orçamento da Universidade, nos concedendo uma rubrica específica para custeio e desenvolvimento da temporada artística. Estamos confiantes também no projeto Viva UFRJ, que envolve a construção de um novo edifício e a reforma dos atuais prédios da Escola de Música, nos quais se encontram nossos espaços de ensaios e concertos. Somos dois docentes, 47 técnicos e quase 90 estudantes na orquestra, precisamos de condições minimamente adequadas de trabalho para cumprir nossa missão e entregar à sociedade aquilo que nos cabe enquanto servidores públicos.
Conheça a trajetória da OSUFRJ e saiba de mais informações sobre a orquestra em seu site oficial.
Leia aqui outra entrevista com André Cardoso, em 2020, sobre o lançamento do projeto Sinos.