No projeto Sinos, Vóila Marques está à frente de aulas de contrabaixo em um dos módulos do curso Pedagogia das Cordas, no qual transmite a professores e monitores de projetos sociais técnicas relacionadas ao ensino do instrumento. Nesta entrevista, você vai conhecer um pouco da trajetória dessa contrabaixista, que também é cantora.
Como começou sua carreira na música? Por que escolheu o contrabaixo?
Comecei estudando música e flauta doce em uma escola pública, aos 11 anos de idade.
Quando eu estava iniciando o Bacharelado em Flauta, na Escola de Música da UFRJ, fui assistir, na, uma aula com o professor de contrabaixo Sandrino Santoro e me encantei pelo instrumento! Foi uma paixão que virou amor, mas prefiro pensar que o contrabaixo foi o caminho que eu precisava seguir, para dar sentido a minha vida.
Quais foram suas influências?
São tantas! Como sempre adorei assistir cursos, apresentações, aulas e masterclasses de contrabaixo e de outros instrumentos, muitos músicos me surpreenderam e me influenciaram. Inicialmente, além do Sandrino, havia os quatro ídolos contrabaixistas das fitas cassetes pirateadas da minha vida: o francês Jean-Marc Rollez, o americano Gary Karr, o austríaco Ludwig Streicher e o romeno Yoan Goilav. Depois, a lista aumentou, mas vou resumi-la em mais dois contrabaixistas, para não ficar enorme: Antonio Arzolla, professor recém-falecido da UniRio, e contrabaixista da OSTMRJ, e o romeno Wolfgang Güttler, que tocou na Filarmônica de Berlim. Minha vida contrabaixística tem um antes e depois do Sandrino, do Arzolla e do Güttler.
Por ser uma das poucas mulheres contrabaixistas, percebe alguma reação diferente por parte dos músicos homens?
Quando comecei a estudar contrabaixo, eu era jovem e não sabia da existência de contrabaixistas mulheres, nem no Brasil e nem no exterior. No Rio de Janeiro, devo ter sido a primeira. Pode até parecer diferente para alguns, mas, para mim, sempre foi algo totalmente normal. E, talvez por me enxergar tão igual aos outros contrabaixistas, nunca me vi ou me senti com olhos de diferença. Aos poucos, vieram contrabaixistas de outros estados para estudar com o Sandrino, e também fiquei sabendo de contrabaixistas mulheres de outros lugares.
Nunca senti uma reação diferente por parte dos músicos homens, talvez por eu ter logo entrado para a Orquestra Jovem do Rio de Janeiro, com seis meses de contrabaixo. Entre jovens músicos de orquestra, a rebeldia era usual e moça tocar contrabaixo também, mesmo que não fosse. Assim como as mulheres contrabaixistas eram minoria da minoria aqui no Rio e no Brasil, o meio musical sempre foi bem mais masculino, nas orquestras em geral. Certa vez, alguém perguntou para um colega e ótimo contrabaixista de orquestra como eram as mulheres tocando contrabaixo e, ao comentar o meu nome, ele respondeu: “A Vóila? Ela toca que nem homem!” Penso que me adaptei ao meio musical como se eu fosse um “contrabaixisto” também.
Além de ser concursada da Orquestra Sinfônica da UFRJ você é contrabaixista-chefe de naipe da Orquestra Sinfônica de Mulheres do Brasil, Você vê diferenças entre o modo de trabalho de uma orquestra feminina e uma mista?
No modo de trabalho não, porque sempre existiram instrumentistas mulheres maravilhosas em todas as orquestras mistas nas quais toquei, mas o clima de trabalho em uma orquestra feminina é diferente. Há mais empatia e sororidade entre as mulheres da orquestra. Isso torna o ambiente muito aconchegante para fazer música, e eu me sinto em casa. Algo como um pacífico retorno às “origens”, depois de viver décadas em um ambiente nitidamente mais masculino. Tocar na Orquestra Sinfônica de Mulheres do Brasil e na Orquestra Chiquinha Gonzaga, do Programa Orquestra nas Escolas, não deixa de ser um novo aprendizado, que complementa tudo o que sempre vivi e vivo, tanto na Orquestra Sinfônica da UFRJ, como em todas as outras orquestras.
Como professora de contrabaixo do Projeto Orquestra Maré do Amanhã e no Programa Orquestra nas Escolas, como você vê a importância da música no aprendizado e na formação do indivíduo?
A Música é importante para a socialização, concentração, desenvolvimento motor das crianças e adolescentes, entre muitos outros benefícios. Mas, para mim, o mais lindo é ver o resultado do ensino da Música, especialmente em projetos sociais, pois eles possibilitam o acesso ao aprendizado gratuito de muitos jovens que não teriam essa chance, pelos meios habituais. Saber e sentir que há um indivíduo fora do circuito da marginalidade e mais próximo de sentimentos, dando sentido e continuidade a uma arte que junta som e ritmo e os transforma em melodia, harmonia e interpretação, não tem preço. A Música transforma o ser de dentro para fora e o faz crescer para uma vida com mais humanidade, com mais percepção de si e do outro, e com menos violência.
Fale sobre o seu curso no Projeto Sinos.
Foi uma honra ser convidada para participar do curso Pedagogia das Cordas do Projeto Sinos! No contrabaixo, o colega Rodrigo Fávaro ficou com a mão direita, e eu com a mão esquerda. Abordo aspectos técnicos com que todo professor e/ou monitor de contrabaixo vai se deparar algum dia em sala de aula, como postura, movimentos, vícios e vibrato, entre outros assuntos. Explico também como esse conteúdo pode ser passado para o aluno de forma prática e objetiva, buscando minimizar problemas “contrabaixísticos” e musicais futuros, sempre atentando para a percepção e conscientização dos eventuais problemas e para possíveis soluções de cada caso.
**Soubemos que você também canta ópera. Chegou a fazer algum curso? Ainda se apresenta cantando, além do contrabaixo?**
Sempre gostei de cantar! Não sei se sou contrabaixista-cantora ou cantora-contrabaixista. Comecei sendo classificada como mezzo-soprano, até chegar a soprano dramático com uma grande extensão de voz. Fiz aulas de canto na UFRJ, durante todo o meu Bacharelado em Contrabaixo, cantei no Coral da UFRJ e cheguei a me inscrever no Bacharelado em Canto da universidade. Só que precisei desistir, pois minha vida de contrabaixista na Orquestra Sinfônica Brasileira, onde toquei por 19 anos, era para lá de movimentada, com muitos ensaios, concertos e viagens.
Depois, continuei com aulas particulares com ótimos professores e atuei também na música popular, fazendo três shows, mas isso foi há muito tempo. Já tem anos que sou cantora de banheiro. No Natal de 2019, estava fazendo um cachê como contrabaixista da Orquestra Petrobras Sinfônica, e o maestro Isaac Karabtchevsky me chamou, de improviso, para cantar “Noite Feliz” num ensaio e… no concerto da orquestra no Theatro Municipal! Foi muito emocionante para mim, e reacendeu a chama de voltar a cantar!
Vóila Marques é contrabaixista carioca, bacharel em contrabaixo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na classe do professor Sandrino Santoro, com medalha de ouro, tendo sido monitora da turma de contrabaixo durante um ano.
Ela participou de cursos com renomados contrabaixistas brasileiros e estrangeiros, como Antonio Arzolla (RJ), Ricardo Cândido (RJ), Gary Karr (EUA), Wolfgang Guttler (DE), Hans Roelofsen (NL), Thibault Delor (FR), Massimo Giorgi (IT) e Marcos Machado (EUA), entre outros.
Vóila atuou como contrabaixista concursada da Orquestra Sinfônica Brasileira (1988-2007) e da extinta Orquestra Sinfônica Jovem da Funarj, e como contrabaixista convidada em diversas orquestras e grupos, como: Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Orquestra do Teatro Nacional de Brasília, Orquestra Petrobras Sinfônica, Orquestra Nacional da Universidade Federal Fluminense, Quarteto da Guanabara e Octeto da Orquestra Sinfônica Brasileira, entre outros.
Ela foi também professora de contrabaixo da Escola de Música Villa-Lobos (1994-2011), e professora temporária da Fundação de Apoio às Escolas Técnicas (Faetec Quintino, 1999) e da Ação Social pela Música (Morro Dona Marta – RJ, 2009), entre outros, e responsável pela organização de diversas masterclasses com contrabaixistas como Eugene Levinson (EUA), Thierry Barbé (FR), David Murray (EUA) e Ana Valéria Poles (SP), entre outros.
A instrumentista foi aprovada duas vezes no Concurso para Solistas da Orquestra Sinfônica da UFRJ, e também para professor assistente de contrabaixo da universidade (2º), professor de contrabaixo da Escola de Música do Espírito Santo (1º) e outros.
Atualmente, é contrabaixista concursada da Orquestra Sinfônica da UFRJ, contrabaixista-chefe de naipe da Orquestra de Mulheres do Brasil, professora de contrabaixo do Projeto Orquestra Maré do Amanhã e professora de contrabaixo no Programa Orquestra nas Escolas.
Assista os vídeos do curso de Vóila Marques e de outros instrutores aqui no site do projeto Sinos e no canal Arte de Toda Gente no Youtube.