Teatro Lambe-lambe para encantar crianças e adultos

Espetáculo “Caixa de Mitos”, com (da esquerda para a direita) Amara Hurtado, Mariana Baeta e Jirlene Pascoal – Foto de Bento Viana

Criado em 2010, “Caixa de Mitos” é o segundo trabalho conjunto do grupo brasiliense As Caixeiras Cia de Bonecas, que trabalha com o Teatro Lambe-lambe e da qual faz parte Mariana Baeta, nossa entrevistada neste post. Um vídeo sobre o espetáculo faz parte da Mostra Virtual Bossa Criativa Arte de Toda Gente Brasília e pode ser visualizado aqui no site e no canal Arte de Toda Gente no Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=9P7KpU7ozw4), assim como os demais vídeos da mostra.

Embora muitos associem o teatro de bonecos a algo para crianças, o grupo esclarece que vários de seus espetáculos não são sequer recomendados para o público infantil, pois abrangem temas adultos, como o universo feminino e outros, que buscam quebrar esse estigma. E assuntos como a mitologia indígena brasileira também fazem parte do repertorio da companhia.

Confira a seguir uma entrevista exclusiva com Mariana Baeta.

Mariana Baeta em foto de Dani Mello
Mariana Baeta em foto de Dani Mello

Como teve início a carreira de vocês nas artes?

Antes de trabalharmos juntas, cada uma tinha uma caminhada dentro das artes cênicas. Nesse percurso individual, todas já tinham contato com a linguagem dos bonecos, mas somente ao nos juntarmos é que iniciamos a descoberta do Teatro Lambe-lambe.

Como surgiu a Cia de Bonecas?

As Caixeiras Cia de Bonecas surgiram em 2007 através de um projeto em que a ideia inicial era cada uma construir seu espetáculo de Teatro Lambe-lambe e, depois, seguir de forma independente. Porém, durante os meses em que ficamos juntas construindo as peças, fomos criando vínculos, gostando de estar juntas e adorando descobrir a potencialidade do Teatro Lambe-lambe. Nos sentimos profundamente tocadas e curiosas com esse estilo teatral, e também conectadas de forma amorosa, sincera. Dessa experiência inicial surgiu o grupo e, após a construção dos primeiros espetáculos, não quisemos mais nos separar. Há 15 anos seguimos juntas!

O que inspira a criação e a construção das personagens?

Vários temas, assuntos nos inspiram, mas de alguma forma o universo feminino, as questões voltadas a mulher, nos tocam mais. Temos alguns espetáculos em que exploramos diferentes ideias, sentimentos, experiências de ser mulher. Mas também temos nos aventurado a encenar histórias da mitologia indígena brasileira e outras. Para a construção das personagens, assim como tudo que envolve nossos espetáculos, partimos de nós mesmas, dos nossos desejos para aquele momento e, após termos isso um pouco maturado, buscamos parcerias para coletivamente dar forma a essas ideias. Como não temos uma diretora no grupo, optamos em convidar outras artistas para estarem conosco nos processos criativos.

Qual a diferença de expressar e transmitir ideias através de bonecos em vez do teatro convencional? É mais fácil ou mais difícil?

Transmitir e expressar ideias por meio de qualquer linguagem artística é sempre um desafio, principalmente no que diz respeito à forma e à dramaturgia. No entanto, a linguagem do Teatro de Animação é sempre mais lúdica, mais passível de gerar empatia e reconhecimento do público, estabelecendo uma cumplicidade que talvez o teatro convencional tenha mais dificuldade em alcançar.

Como é a dinâmica das apresentações? Quem é a voz do boneco também o manipula? Quantos artistas em média em cada apresentação?

A dinâmica de linguagem e forma variam muito de obra para obra. Nos espetáculos “De Outro Jeito” e “Cabeças Vorazes”, por exemplo, quem manipula o boneco também cria e faz sua voz. Já nos espetáculos de Teatro Lambe-lambe, as trilhas sonoras, incluindo as vozes, são pré-gravadas e em geral utilizamos nossas vozes também ou convidamos outros artistas para gravarem.

A Cia. é composta por três mulheres: Amara, Jirlene e Mariana e em geral nós três trabalhamos sempre juntas em todas as apresentações.

Como costuma ser a recepção do público, uma vez que esse tipo de teatro se torna cada vez mais raro? Como é a reação do público adulto?

O Teatro de Animação sempre encanta crianças e adultos, e ao final de cada apresentação conseguimos conquistar novos públicos. Isso é uma das coisas que nos move enquanto artistas fazedoras desse teatro.

É fato que o Teatro de Bonecos ou de Animação é quase sempre relacionado a crianças. O fato de termos muitos espetáculos voltados para adultos gera algumas dúvidas ou confusões, fazendo o interlocutor acreditar que se trata de um espetáculo com sexo, violência ou terror. Mas nossos espetáculos não trazem esses temas, pelo menos não explícitos. Então, ao final da sessão, aquele adulto ou adulta consegue compreender a razão de não recomendarmos para crianças. Assim, conseguimos quebrar um pouco esse estigma e mais uma vez formamos novos públicos interessados no Teatro de Animação ou de Formas Animadas para adultos.

As apresentações são intimistas, com até três espectadores por vez. Isso facilita essa interação e aproximação com o público?

Sim. O espectador tem a sensação de que aquela apresentação é única, e o contato próximo, com todas as ações que estão acontecendo, possibilita essa interação. O fato de olhar por um buraco, tocar na caixa, ver o boneco de perto, tudo isso contribui para que o espetáculo estabeleça um diálogo concreto e sedutor com o público.

Fale um pouco do espetáculo “Caixa de Mitos”, em que abordam lendas das florestas, como o famoso Saci e o Boitatá.

Nosso folclore é encantador, riquíssimo em imagens e conteúdo. O objetivo de “Caixas de Mitos” é justamente mostrar as essas maravilhosas lendas da nossa cultura popular, que seduzem, não somente as crianças, mas também, os adultos.

Que dica vocês dariam para quem quer entrar no “mundo dos bonecos”…. além da manipulação é preciso seguir técnicas especiais ou cada um pode criar seu próprio método?

Se a pessoa quiser entrar nesse mundo, é preciso que ela tenha bastante dedicação e, claro, goste muito (risos)…. O primeiro passo é apaixonar-se por essa arte, o segundo, é trabalhar com disciplina e dedicação e, sobretudo, muita paciência. Em relação às técnicas, evidentemente toda arte tem seus princípios e suas lógicas. E a gente aprende isso vendo os trabalhos dos outros grupos, estudando. Cada trabalho visto é um aprendizado. Entretanto, a arte é dinâmica… e, de repente, essa pessoa recém-chegada a esse universo artístico começa a descobrir magias novas, agregando, consequentemente, novos saberes e novos métodos ao fantástico mundo dos bonecos.

Caixa de Mitos

Sob a temática das lendas brasileiras, indígenas e caboclas que trazem em sua essência o imaginário popular, o espetáculo confirma o importante papel do Teatro para a construção, preservação e memória da identidade cultural brasileira. No decorrer de cerca de seis minutos, o público surpreende-se com a poesia dos pequenos bonecos de vara e luva, que contam, em uma narrativa sem palavras, as lendas de seres sobrenaturais que habitam as densas florestas do Brasil: o Curupira (protetor das matas), a Boitatá (a temida cobra de fogo), o Saci (criatura travessa e considerado um protetor da floresta) e a Iara (Mãe D’Água).

Sobre As Caixeiras Cia. de Bonecas

Criado em 2007, em Brasília, Distrito Federal, pelas atrizes e bonequeiras Amara Hurtado, Jirlene Pascoal e Mariana Baeta, o grupo As Caixeiras Cia. de Bonecas nasceu com o propósito de pesquisar e realizar o Teatro Lambe-lambe. Dessa pesquisa surgiram diversas montagens, como a Trilogia “Coisas de Mulher” (2007), composta pelos espetáculos “A Mensagem”, “Priscila, A Perereca” e “Ataque de Nervos”, o espetáculo “Caixa de Mitos” (2010) e também a Trilogia “Enquanto Houver Amor eu Me Transformo” (2021), composta pelos espetáculos “Amor – Título provisório e inalterável”, “Amor de Cão!” e “Revoar”, sendo que todas as caixas das Trilogias podem ser apresentadas separadamente. 

Em 2011, a Cia. ampliou sua pesquisa para o teatro de bonecos fora das caixas e para o Teatro de Objetos, criando os espetáculos “De Outro Jeito” (2012), com direção de Marco Augusto Rezende e “Tecendo Volúpias” (2017), com direção de Catarina Accioly, ganhando o Prêmio SESC do Teatro Candango de Melhor Trilha Sonora. Em 2016, o grupo foi contemplado pelo Prêmio Miryam Muniz, da Funarte pelo espetáculo de Teatro em Miniatura “Cabeças Vorazes”, com direção de Izabela Brochado. Em 2019 e 2021, o grupo realizou os I e II Encontros de Teatro Lambe-lambe de Brasília, contribuindo para a preservação, difusão e renovação dessa linguagem. 

Desde a sua formação, As Caixeiras já se apresentaram em inúmeros projetos e eventos culturais, mostras e festivais de teatro de bonecos e de animação pelo Brasil e pelo mundo. Com temáticas variadas voltadas para o público adulto, para pessoas de todas as idades ou para a primeira infância, todos os espetáculos da Cia. continuam ativos, renovando-se a cada olhar de seu amplo e diversificado público. 

Em 2022, As Caixeiras Cia. de Bonecas completam 15 anos e sua história será celebrada com a realização de oficinas, mostra e circulação de seu repertório no DF, além da criação de novas caixas de Teatro Lambe-lambe e criação de acervo digital.

As artistas

Mariana Baeta atua na cena cultural da cidade há 25 anos desenvolvendo projetos em Teatro, Música, Culturas Populares, eventos e festivais culturais. É umas das fundadoras, atriz, bonequeira, percussionista e produtora do grupo As Caixeiras Cia. de Bonecas (desde 2007 até os dias atuais). Com as Caixeiras vem desenvolvendo um trabalho de pesquisa e montagem principalmente com o Teatro Lambe-lambe, de Objetos e Miniatura, linguagens do Teatro de Formas Animadas. Como produtora cultural, gestora e coordenadora, desenvolve projetos em Artes Cênicas, Música, Culturas Populares, Dança e Cinema em Brasília, realizando inúmeros espetáculos, Festivais, mostras culturais, shows, oficinas e grandes eventos, trabalhando com artistas de renome nacional e internacional. Foi coordenadora e programadora do Espaço Cultural SESC Paulo Autran (2008 a 2011 – SESC DF – Teatro e Galeria) e do Teatro Poupex (2012 a 2015).

Amara Hurtado é atriz formada em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília em 2008, iniciou no teatro em 1992 participando de vários grupos da cidade, como a Companhia Teatral Nú Trágico, a Cooperativa de Atores e a Cia. Teatral Piramundo. É uma das pioneiras no desenvolvimento de projetos culturais no contexto da arte produzida por mulheres, como o projeto Roda de Mulheres (2005) e Festival Mulher em Cena (2013), do Instituto Arcana. Após mais de 15 anos de diferentes experiências teatrais, a artista decidiu se dedicar à pesquisa e a investigação do Teatro de Formas Animadas, criando os espetáculos Priscila, A Perereca e a Caixa de Mitos. É cofundadora do grupo As Caixeiras Cia. de Bonecas, do qual faz parte até hoje atuando, dirigindo e criando espetáculos, oficinas e projetos.

Jirlene Pascoal atua no campo das artes cênicas desde 1987, concluiu o curso técnico de teatro na Casa dos Artistas. Realizou diversas oficinas e participou de vários grupos de teatro da cidade. Atualmente, além do grupo as Caixeiras Cia de Bonecas, onde atua desde 2007, é integrante da companhia Ciarticum e do projeto do Instituto Arcana Roda de Mulheres. Participou de projetos junto a Cooperativa Brasiliense de Teatro de Brasília. Em 2014, participou do 3o Festival internacional de Artes Performativas de Sintra em Portugal, com o espetáculo “Coisa de Mulher” e do festival de teatro de bonecos Festineco, com o espetáculo “De Outro Jeito” realizado no Gama – DF. Em 2010 participou do Festival Internacional de Teatro de Brasília Cena Contemporânea com o espetáculo Caixa de Mitos e no Festineco com Coisas de Mulher.

Confira os demais vídeos da Mostra Virtual Bossa Criativa ATG Brasília aqui no site e no canal Arte de Toda Gente no Youtube https://www.youtube.com/c/ArteDeTodaGente