Samba com Laranja brasileiro na Grande Maçã americana

Em 2001, Elisa Dekaney e seu marido, Joshua Dekaney, fundaram o Samba Laranja, o Conjunto Brasileiro da Syracuse University. Sob sua direção, o grupo se apresenta regularmente para escolas de ensino fundamental e médio (K-12) em toda a região central de Nova York e em eventos na comunidade.

Elisa Macedo Dekaney esteve entre as palestrantes do I Congresso Internacional de Música Coral Infantojuvenil – Um Novo Olhar e participou da mesa “Formação de regentes corais infantojuvenis” (transmitida pelo canal Arte de Toda Gente, no Youtube, e com vídeo disponível [AQUI](https://youtu.be/5VjIf55ICWg)). Ela é professora titular de educação musical e pró-reitora para Pós-graduação, Pesquisa, e Internacionalização do College of Visual and Performing Arts da Syracuse University, em Nova York. É formada em comunicação social pela UFF e em música sacra pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. Fez mestrado em regência na University of Missouri-Kansas City e doutorado (PhD) em educação musical na Florida State University. Pesquisadora prolífica, com publicações em várias revistas e livros acadêmicos, já regeu em centenas de festivais corais em vários países.
Nesta entrevista, Elisa nos fala de sua trajetória, seus trabalhos e dá conselhos preciosos para quem deseja viver de e para a música – como ela,

**Como foi seu começo na música, quando descobriu que esse era o seu caminho?**

No ambiente onde cresci, a música era valorizada como expressão pessoal e devocional. Aprendi a tocar piano, flauta doce e a cantar na escola de música oferecida na igreja da minha comunidade. Em pouco tempo, pude acompanhar os coros da igreja e as músicas que cantávamos. Havia uma necessidade e um incentivo para que aprendêssemos a ler a notação musical usada na música da tradição da Europa Ocidental.

Cresci numa família que sempre valorizou a atividade intelectual, acadêmica e musical. Meu pai é médico e minha mãe psicóloga. Achei que iria seguir o caminho da medicina e, até um pouco antes do vestibular, imaginava que essa seria minha profissão. Acompanhava sempre meu pai em suas visitas domiciliares quando era necessário e ajudava no cuidado aos pacientes. Até que um dia, diante de uma situação muito intensa na troca de um curativo, acabei desmaiando. A partir daí, decidi que medicina não era para mim e, então, prestei vestibular para a UFRJ em letras (Inglês) e fiz audição para o curso de música sacra, no que hoje é conhecido como Faculdade Batista do Rio de Janeiro. Abandonei o curso da UFRJ, porém ingressei no curso de comunicação social em publicidade e propaganda da UFF. Terminei os dois cursos, mas decidi no final, mesmo depois de estágios em marketing e publicidade, que a música era mesmo minha vocação.

**Como começou sua carreira internacional?**

Pode-se dizer que começou com minha participação no Canto Em Canto, um coro com repertório arrojado e sofisticado, regido pela querida e inesquecível maestrina Elza Lakschevitz e com preparação vocal da Zezé Chevitarese. Com esse grupo, participei de concursos e fiz turnês na Europa e nos EUA. Como resultado da turnê nos EUA e de minha participação na I Oficina de Música Coral do Rio de Janeiro, organizada por Eduardo Lakschevitz, conheci Eph Ehly, do Conservatório de Música da University of Missouri-Kansas City, que me convidou para ser sua aluna no mestrado em regência coral. Depois de graduada, segui para o PhD em Educação Musical na Florida State University, estudando com André Thomas e Rodney Eichenberger. Depois do doutorado, vim trabalhar na Syracuse University, onde estou há quase 20 anos. Aqui tive a oportunidade de crescer e me desenvolver na área acadêmica, de pesquisa, e de performance musical.

**Como é a receptividade à música do Brasil nos EUA?**

A música brasileira ocupa um lugar significativo no círculo musical dos EUA. Difícil achar um músico de jazz que não tenha estudado com cuidado o repertório standard de bossa nova. Certas características da música brasileira – particularmente elementos da tradição africana, como ritmo sincopado e entrelaçado, o uso de instrumentos de percussão e o apelo dançante – são apreciados grandemente em certos ambientes musicais. A capoeira, por exemplo, é praticada em vários centros urbanos e abraçada por muitos americanos. Nossos alunos na Syracuse University são apaixonados por música brasileira e tocam batucadas de samba, samba-reggae, maracatu, choro, e outros estilos.

**Como é o Samba Laranja, grupo de música brasileira que você e seu esposo criaram?**

O Samba Laranja foi criado em 2001, quando meu esposo, Joshua Dekaney, e eu começamos a trabalhar na Syracuse University. É uma classe oferecida todos os semestres e aberta a todos os alunos da Universidade. Atualmente, a grande maioria do grupo cursa música, mestrado e bacharelado, e se matricula no curso para cumprir requerimentos de matéria eletiva. Nós já tivemos várias parcerias com escolas públicas locais, onde também ensinamos música brasileira, particularmente samba, samba-reggae, maracatu, e capoeira. Antes da pandemia, nos apresentávamos frequentemente em concertos em bibliotecas, igrejas, escolas, e centros comunitários, na nossa região e em outras cidades e estados. Já gravamos quatro CDs com composições originais e histórias indígenas musicadas. Através dessas gravações, recebemos três prêmios locais, chamados Syracuse Area Music Awards. Também já fomos convidados quatro vezes para nos apresentarmos no Jazz at Lincoln Center in New York City, uma honra da qual nos orgulhamos muito. A verdade é que o público americano de todas as idades é bem receptivo à música brasileira.

**Como tem sido o seu trabalho nesse período de isolamento social por conta da pandemia?**

O isolamento tem tido um impacto enorme em todas as áreas do meu trabalho, o que é vivenciado também por outros músicos e artistas ao redor do mundo. Um dos nossos coros teve sua turnê, em maio para a Europa, cancelada, e ficamos muito decepcionados pela perda da oportunidade de realizar algo tão importante para nós. Deixei de participar de várias conferências nacionais e internacionais, nas quais divulgo e compartilho o resultado das minhas pesquisas. Todos os contratos que eu tinha esse ano para reger em festivais de coros foram cancelados. Normalmente trabalho de dois a três dias com alunos de ensino fundamental e médio, que são selecionados para cantar em festivais de música. Essa perda é grande para os estudantes, para seus professores, e para mim, que perco a oportunidade de me engajar com alunos em idade escolar, curiosos, talentosos e musicais.

O Samba Laranja está ensaiando esse semestre presencialmente. A Syracuse University, que é uma instituição de ensino superior privada, investiu financeiramente em estratégias de ponta para que pudéssemos oferecer aulas presenciais e híbridas. Nós temos alunos que participam de aulas presenciais, com máscaras e espaçados por cinco metros de distância, num auditório enorme. Também temos alunos que estão em outros estados e participam através de Zoom, simultaneamente com os presenciais. Essa modalidade exige uma adaptação pedagógica estratégica e tem sido bem desafiadora, mas estamos há mais de dois meses aprendendo e ensinando assim e devemos fechar o semestre com aulas presenciais no dia 24 de novembro, com provas e exames finais a serem finalizados na primeira semana de dezembro.

Acho que o desafio de fazer quase tudo no ambiente virtual tem sido grande para todos nós. Por outro lado, eu tenho usado meu tempo para escrever. Joshua, meu esposo, e eu terminamos um livro que está em fase de edição final com a Routledge, publicadora de peso na área acadêmica nos Estados Unidos. O título do livro em inglês é Music at the intersection of Brazilian culture: An introduction to music, race, and food (Música na intersecção da cultura brasileira: Uma introdução à música, raça [etnia], e alimentação). No livro, examinamos alguns exemplos de produção musical e folclórica do Brasil, interseccionando questões do mito da democracia racial, destruição dos povos indígenas brasileiros e o desenvolvimento de hábitos alimentares mistos, com exemplos de pratos de reconhecimento nacional presentes em um significativo repertório de música popular brasileira.

Nos capítulos sobre alimentação, colaboramos com Professora Irene Coutinho de Macedo, coordenadora do curso de nutrição da Universidade Senac, em São Paulo. Também terminei dos capítulos de livros a serem publicados ainda esse ano em São Paulo em parceria com Dr. Elizeu Coutinho de Macedo, professor de psicologia cognitiva e de desenvolvimento na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Nós examinamos a pedagogia culturalmente relevante e propomos um modelo pedagógico para desenvolver fluência cultural através do exemplo da cultura Sateré-Mawé. Usei o isolamento para escrever e terminar projetos que exigiam tempo e disciplina. Nem todos os aspectos do isolamento social forçado são ruins.

**Que mensagem você mandaria para os que querem um dia viver da música?**

É a mesma mensagem que eu daria para qualquer pessoa contemplando o desenvolvimento de uma carreira. Uma pessoa que faz um mal curso de engenharia, encontrará dificuldades de ser bem-sucedido na vida. Em música, a gente tem o desafio de abraçar uma profissão com menos estrutura de carreira, mas é possível se desenvolver alguns planos para ser bem-sucedido como músico.

É preciso se dedicar ao estudo musical intensa e intencionalmente, sempre, o tempo todo, a todo o instante. É preciso ler textos filosóficos, técnicos, tratados de história da música e de performance para que o músico saiba executar e também se expressar com ideias que formam a base da sociedade e, ao mesmo tempo, elevam a música como produção cultural.

É preciso ter fluência numa língua estrangeira (espanhol, francês, inglês, etc.) para se ter acesso à literatura que não está disponível em português e para se viabilizar cursos fora do Brasil. Quando a oportunidade aparecer, precisamos estar prontos. Conheço vários músicos que perderam oportunidades de viajar e estudar fora porque só falavam português.

É preciso aprender várias tradições musicais (jazz, samba, rock, música “clássica” para citar algumas) para que as opções de sustento financeiro sejam ampliadas. Um ótimo músico que só lê acordes perderá oportunidades quando for necessário ler partitura em notação ocidental e vice-versa.

É preciso ser empreendedor, saber um pouco de negócios para se criar oportunidades para mais música ao vivo, lições de música, projetos culturais sociais, conseguir patrocínio, etc.

É preciso se cercar de músicos excelentes que servirão de inspiração, exemplo, e apoio.