Patrícia Dorneles – Entrevista

**Encontro Um Novo Olhar de Arte/Educação + Acessibilidade**

*Coordenadora do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural da UFRJ e das ações de acessibilidade dos projetos Funarte-UFRJ, Patrícia Dorneles, faz um balanço de como foi o Encontro Um Novo Olhar de Arte/Educação + Acessibilidade*

Entre os dias 5 e 6 de agosto, como parte das atividades de lançamento do Projeto Um Novo Olhar (UNO), realizou-se o **Encontro Um Novo Olhar de Arte/Educação + Acessibilidade**. O evento, todo online, teve como foco a educação acessível inclusiva em artes, tema abordado tanto na palestra de abertura, quanto nas mesas em formato de lives, transmitidas pelo canal Arte de Toda Gente, no Youtube. Para que se tivesse contato com um panorama de experiências e perspectivas mais variado possível, foram convidados formadores e profissionais que atuam na promoção da cultura acessível em diversas instituições e regiões do país. Nesta entrevista, a Coordenadora de Ações de Acessibilidade dos projetos Funarte-UFRJ, Patrícia Dorneles, conta como surgiu o evento e como ele se desenvolveram suas atividades – que foram todas registradas em vídeo e estão disponíveis para assistir, aqui no site e no canal Arte de Toda Gente, no Youtube.

**Como surgiu a ideia de fazer o Encontro como parte do UNO e como vocês definiram a pauta e os convidados**

O Encontro surgiu para marcar o início de um debate, da apresentação do conteúdo sobre o qual grande parte do projeto Um Novo Olhar se debruça, que é a formação de professores, das áreas de artes ou afins, para uma atuação de mediação acessível para as pessoas com deficiência. Nos últimos tempos, observa-se um certo avanço no que diz respeito à acessibilidade cultural para as pessoas com deficiência no âmbito das políticas culturais, mas ainda há uma fragilidade significativa na experiência da educação. Para qualificar a promoção da cidadania cultural das pessoas com deficiência é necessário que estas tenham acesso aos conteúdos de arte-educação, tanto nos ambientes de educação formal como informal. E que esta acessibilidade, que lhes é de direito, lhes dê tanto a possibilidade de se desenvolver artisticamente, como de qualificar seu consumo cultural. Assim, uma das preocupações para todos aqueles que se dedicam a acessibilidade cultural para pessoas com deficiência tem sido promover o debate, a sensibilização e o compromisso para a capacitação de professores.

Nesse contexto, se torna urgente a criação de disciplinas de acessibilidade cultural para pessoas com deficiências nos cursos de artes e áreas afins; nas licenciaturas e nos bacharelados. Desta forma, sensibilizaremos os futuros artistas a pensarem na sua produção artística com recursos de acessibilidade, até mesmo de forma que estes recursos façam parte da obra – como já acontece em algumas experiências. Entendendo que é importante que, pelo menos, esses recursos façam parte desses produtos culturais com o objetivo de implementar a legislação brasileira da inclusão. As políticas culturais têm se debruçado sobre os desafios de ampliar a qualificação da promoção da cidadania cultural das pessoas com deficiência. E isso está diretamente ligado ao direito que essas pessoas têm ao consumo cultural, à sua experiência estética com os objetos de arte e os produtos artísticos.

Em relação à licenciatura, àquele professor ou professora que for atuar no desenvolvimento da arte-educação – seja nos espaços de educação formal, ou não formal – é importante que ele tenha esse conhecimento, essa sensibilidade para desenvolver metodologias acessíveis. Métodos que possibilitem de forma objetiva que, desde cedo, de criança, pessoas com deficiência tenham não só acesso aos produtos culturais, mas também possam ter um desenvolvimento estético, que é um dos principais desafios da arte-educação.

Inicialmente, o Encontro seria presencial – e foi adaptado por conta da pandemia –, ou ele já nasceu no formato Online? Na verdade, o Encontro já foi criado nessa perspectiva online, pois surgiu justamente na fase de reformulação de todo o projeto para esse formato virtual. E temos alcançado um público muito interessado. Um resultado muito bacana, no sentido da participação, das pessoas estarem envolvidas e quererem acessar esses conteúdos porque estão comprometidas, também, com a questão de uma arte-educação acessível e inclusiva.

**Como foi a repercussão e a adesão ao evento entre as pessoas e entidades que estão envolvidas com o trabalho com arte-educação para a inclusão e acessibilidade?**

A adesão das pessoas foi bem rápida. Na verdade, nós já temos uma rede de pessoas, de parceiros que vêm se somando na discussão dessa pauta. Somos muitos, mas ainda poucos, se olharmos para um país do tamanho do Brasil. Nos últimos anos, a partir dos encontros nacionais, do curso de especialização em acessibilidade cultural e de outras iniciativas, fomos construindo um trabalho em rede. Quando apresentamos a proposta do projeto Um Novo Olhar e desse encontro, os convidados logo aderiram. Eles entendem que é importante ter esses espaços, estruturados de forma acessível, gratuita, para que possamos desenvolver e difundir o tema.

Outro atrativo foi a diversidade de conteúdos apresentados. Embora o Encontro tivesse essa especificidade da arte-educação e acessibilidade, tivemos uma grande variedade de colaboradores e de experiências. Na programação havia colaboradores que estão na universidade, formando, capacitando e desenvolvendo projetos de ensino, de pesquisa, e de extensão e também colaboradores que estão fora do ambiente acadêmico, mas que são implicados e atuantes na perspectiva da formação e da capacitação de diferentes atores e que trabalharão com uma arte-educação acessível para pessoas com deficiência. Por isso, os parceiros e convidados se encantaram e aceitaram o convite com o objetivo de contribuir com as reflexões.

Apesar do prazo relativamente curto de divulgação, tivemos uma grande quantidade de inscritos. E, nos comentários, vemos a participação das pessoas, o agradecimento delas pelo Encontro como um todo e pelos temas, que foram tão ricos. Uma mesa acabava complementando a outra em discussões amplas. A acessibilidade cultural é uma área multi e interdisciplinar e isso, também, é muito bacana. Você vai ver diferentes atores envolvidos com essa temática, sejam artistas e arte-educadores com deficiência, sejam pessoas que atuam no campo das artes em geral, envolvidos com a questão da acessibilidade cultural para pessoas com deficiência. Quando falamos de artes, temos grande diversidade de linguagens artísticas, ao mesmo tempo de tipos de deficiência e de instrumentos de mediação de acessibilidade, que dialogam entre si para qualificar esse processo de aprendizagem e de direito de fruição estética.

**O evento, em si, como um todo, correspondeu as suas expectativas? Por que?**

Sim, correspondeu. Ele foi um dispositivo importante para que esses diferentes atores se reunissem e contribuíssem com provocações e reflexões. Teve uma qualidade na diversidade das representações e nos conteúdos e, como mencionei, os comentários mostram que os participantes tiveram suas expectativas atendidas. As pessoas ficaram muito agradecidas com os conteúdos, sentiram que aprenderam, e saíram com muitas reflexões. O público, aliás, participou bastante, discutiu, se comunicou conosco.

**Em relação ao tema específico da formação/capacitação de professores para esses segmentos, você destacaria alguma apresentação ou debate que tenha ocorrido?**

Todos os palestrantes são pessoas muito significativas para o debate. Porque contribuem ou com práticas significativas bem como sistematização teórica sobre o campo. Abrir o evento com a Ana Mae a Ana Amélia Barbosa foi algo significativo para todos nós. A Ana Mae Barbosa é a pessoa que sistematizou a questão da arte-educação no Brasil. E, no encerramento, termos aquele grupo, articulado com a professora Virgínia Kastrup, da UFRJ, que tem contribuído muito para a área. O Encontro se tornou grandioso, no sentido da representatividade e da diversidade das participações e dos conteúdos abordados.

A participação de tantos educadores, de tantas regiões distintas, deve ter dado a oportunidade de que vocês tivessem uma boa visão (ou recorte) de como a arte-educação está sendo pensada e praticada no país. Os diferentes relatos refletiram de alguma forma, a pluralidade e variedade de nosso país nesse campo?

Tivemos essa preocupação do recorte regional e da diversidade de conteúdos para elaborar o encontro. Principalmente porque é um projeto com financiamento público, que se preocupa com o fomento de uma articulação nacional. Principalmente para que possamos conhecer experiências de lugares a que não temos acesso, realidades em outros cantos do país que não conhecemos porque, de um modo geral, no campo da cultura, tudo está muito centralizado no Sudeste. No Encontro, vimos que há pessoas em diversas regiões desenvolvendo iniciativas importantes em relação à capacitação, formação, articulação, fomento e difusão da pauta da acessibilidade cultural. Embora a questão da arte-educação desenvolvida com acessibilidade seja ainda frágil em relação à quantidade de experiências neste país continental, temos alguns grupos de pesquisa que já vêm sistematizando isso em revistas, em pós-graduação. Como por exemplo o Robson Xavier, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, e a Maria Cristina da Rosa Fonseca, nossa colega da Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. E também trouxemos no encontro contribuições de colegas de outras universidades federais, como o Edu da Bahia, o Emerson do Amapá, o Jefferson do Rio Grande do Norte, entre outros.

**Em relação ao projeto Um Novo Olhar como um todo, e daqui para frente, que lições e informações obtidas no Encontro serão aproveitadas e/ou terão continuidade?**

Consideramos o Encontro Um Novo Olhar de Arte/Educação + Acessibilidade como o primeiro dispositivo provocativo do Projeto Um Novo Olhar que atua na promoção da acessibilidade para pessoas com deficiência. Ele segue agora com a publicação dos vodcasts (video podcasts) e dos pocket shows. Os vodcasts se caracterizam principalmente por ser pequenos depoimentos de experiências das mais diversas e apresentam um conjunto de temas que articulam e demonstram o amplo campo da acessibilidade cultural de pessoas com deficiência. Os pocket shows apresentam depoimentos e a produção de artistas com deficiência. Teremos a seguir a publicação de uma revista, que vai ter quatro edições, com o objetivo de apresentar relatos de experiências na área da educação. Queremos mapear iniciativas nas escolas que atuam com trabalho de arte-educação acessível. Isso também nos ajudará a visualizar o que vem se desenvolvendo no Brasil. A revista vai ter um edital para seleção destas experiências para compor a publicação, que ainda terá artigos de convidados, entrevistas e, também, matérias específicas, trazendo um pouco do panorama desse segmento.

Um outro elemento, também importante, que dá continuidade a esse projeto é a realização do ENAC – Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural, que a gente ainda está preparando para mais adiante. Mas, antes disso, temos os lançamentos dos cursos na área da acessibilidade do próprio projeto, que estão sendo construídos. Agora mesmo, a gente já lança um primeiro curso sobre arte-educação, na verdade um panorama da arte e educação acessível.

**(*) Patrícia Dorneles** é Professora Associada I do Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da UFRJ. É graduada em Terapia Ocupacional pela Federação das Faculdades Metodistas do Sul Instituto Porto Alegre, mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC na linha de pesquisa Educação Popular e Movimentos Sociais e doutora em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul na linha Ambiente, Ensino e Território, e pós-doutora em terapia ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).Ela atua há 20 anos no campo das políticas publicas culturais, com ênfase em ação cultural e coletiva, educação popular, saúde e direitos humanos.. De 2015 a 2013 foi Superintendente de Difusão Cultural do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. É idealizadora e é a atual coordenadora do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).