Especialista no assunto, Anacris Monteiro está à frente da oficina “Elaboração de projetos e o uso das leis de incentivo pelo olhar do prestador de contas”, que está sendo postada aqui no site. Na série, ela dá dicas valiosas de como formatar e como administrar os recursos incentivados e conveniados desses projetos. As videoaulas, que contêm tradução para libras, fazem parte das ações do Um Novo Olhar para apoio ao canto coral, considerado uma das atividades musicais de maior capacidade inclusiva – a instrutora, aliás, também canta em grupos vocais. Mas seu conteúdo se aplica à produção cultural em todos os seus ramos. Nesta entrevista, Anacris fala sobre o curso e, também sobre sua trajetória profissional.
**Como e quando você começou a atuar na área de projetos culturais? Por que escolheu trabalhar com isso e como se preparou?**
Eu já trabalhava com eventos em grandes empresas há mais de 5 anos, quando, em 2007, ganhei uma bolsa para fazer um curso de Produção Cultural e me apaixonei. Mandei um currículo para a produtora do curso e fui contratada duas semanas depois. Trabalhei lá, durante 3 anos, me especializando em administração de recursos e prestação de contas, quando, em 2010, decidi abrir minha própria produtora, a Ouro Verde Produções.
Antes de ser produtora, eu fazia parte de corais e grupos vocais, uma atividade que ainda pratico quando sou convidada a participar de concertos e, também, através de trabalhos voluntários. Levar a arte para todo o tipo de público é sempre a maior meta de todo o artista. A minha vivência em canto coral, o amor pela arte e a oportunidade que tive em fazer um bom curso e trabalhar numa grande produtora, me encorajaram a trilhar meu próprio caminho na produção cultural.
**Qual a importância dos patrocínios e convênios para a viabilização dos projetos culturais no Brasil, hoje?**
Toda a importância! Infelizmente no Brasil não há ainda uma forma eficiente de distribuição de recursos para contemplar todos os projetos culturais que são elaborados. A escolha dos projetos por parte de grandes empresas patrocinadoras visa atender mais interesses comerciais do que à democratização do acesso à cultura. Outras empresas desconhecem seus direitos, benefícios e como funcionam os mecanismos das leis de incentivos fiscais. Dessa forma, uma boa alternativa para o produtor é inscrever suas propostas em editais de fomento direto – quando, por exemplo, o recurso vem através de um edital da Prefeitura do Rio – e de fomento indireto – quando o edital exige a inscrição do projeto em uma lei de incentivo como condição para recebimento do patrocínio no caso de ser selecionado. Os recursos dos convênios são oriundos de verbas de emendas parlamentares e contemplam projetos de instituições sem fins lucrativos, como as ONGs, possibilitando sua realização em regiões menos privilegiadas ao acesso à cultura, como em comunidades carentes e no interior das cidades.
**Você é uma profissional experiente e premiada. Em comparação à época em que desenvolveu seus primeiros projetos, o que mudou nesse segmento?**
Trabalhar com produção cultural exige grande responsabilidade, devido ao grande número de profissionais envolvidos num mesmo projeto e a necessidade em realizá-lo de forma idônea, executando o que foi prometido, cumprindo as contrapartidas e apresentando uma correta prestação de contas. As regras previstas nas leis e editais podem mudar de um ano para outro. As leis são adequadas e alteradas, por exemplo, quando há troca de governo ou quando há um caso excepcional como a pandemia, iniciada em 2020. Por isso destaco sempre a importância de se ler o texto das leis, decretos, instruções normativas, editais e qualquer outro documento, com muita atenção, destacando as condições para realizar a inscrição, a execução e finalização do seu projeto. Inclusive, pequenas mudanças de informações contidas nessa série de aulas, podem ocorrer, considerando o momento de gravação das aulas, em meados de 2020, até a data de hoje. Desde a fundação da Ouro Verde Produções, em 2010, a oferta de editais vem diminuindo e o fomento direto no Rio, está há mais de dois anos suspenso. Daí a importância, de cada vez mais, saber elaborar um bom projeto.
**Falando especificamente dos vídeos para o Um Novo Olhar, há alguma diferença entre criar e produzir (incluindo a prestação de contas) um projeto cultural que envolva um coral em relação a outros tipos de projetos?**
Cada projeto tem suas características próprias. A cultura é muito diversa e até dentro de um mesmo segmento existem categorias distintas e cada projeto tem suas particularidades. Não há essa diferença no criar e produzir um projeto ou outro, pois os cuidados são os mesmos. A diferença aparece no objeto a executar, no cronograma a se cumprir, na seleção de uma equipe adequada àquele projeto, na forma como serão pagos os recursos humanos, no melhor plano de divulgação e por aí vai. Um projeto bem elaborado tem maiores chances de ser sucesso do começo ao fim, quando sua prestação de contas é aprovada.
**A questão da acessibilidade – tanto para quem produz e/ou participa do projeto em si, quanto para o público – é importante na elaboração de um projeto cultural?**
Na minha opinião, sim, é muito importante! Como comentei, quem faz arte, tem como meta alcançar todo o tipo de público. A acessibilidade é levar a arte para pessoas que têm algum tipo de necessidade especial, seja de locomoção, de visão, de audição, por exemplo. É uma ação, dentro do projeto, que costuma ser exigida pelas leis de incentivo e editais, para facilitar o acesso desse público ao objeto oferecido pelo seu projeto.
Alguns exemplos de ações de acessibilidade:
Prever lugares na plateia para cadeirantes e seu acompanhante, buscar teatros que ofereçam rampas de acesso ou elevador, adaptações nos banheiros e vagas especiais para carro para os que têm dificuldade de locomoção;
E preparar material como um fôlder ou programa em braile, contratar serviço de audiodescrição para os que têm deficiência visual ou legenda ampliada para pessoas de baixa visão;
Contratar um intérprete de libras para apresentação única ou para um dia em uma temporada para o público com deficiência auditiva.
**No Um Novo Olhar, seus vídeos também serão assistidos por pessoas surdas (há tradução em libras) e cegas (num segundo momento, haverá áudio descrição para os elementos gráficos), com interesse em desenvolver projetos culturais. Como você vê a participação dessas pessoas como produtoras no segmento (mercado) hoje?**
Hoje a presença desse público vem crescendo a cada ano e eu fico muito feliz. Estou até aprendendo libras com minha filha. É um público grande que nem entendo como ficou de fora por tanto tempo. Atualmente, muito pelas exigências das leis e editais, esse público não só curte uma peça, um concerto, um show, mas também contribui, e muito, para que a roda da produção cultural no país não pare de girar. Também sou super a favor da participação dessas pessoas como produtoras, pois elas têm uma vivência diferente das pessoas que não passam pelas mesmas dificuldades. Uma parceria com elas só agrega riqueza e qualidade ao produto oferecido e a possibilidade de um público maior para os projetos que o contempla.
**Por último, que conselho você daria para alguém sem experiência e que queira elaborar seu primeiro projeto cultural (para um coral, por exemplo)?**
Meu conselho é que assistam minhas videoaulas, pois foram feitas com muito carinho, baseadas na minha experiência de mais de uma década em produção cultural, para passar as melhores dicas para aqueles que estão começando. De elaboração de projetos, do funcionamento das leis de incentivo, dos cuidados com a prestação de contas desde a elaboração do projeto entre outros assuntos. Sem dúvida, as aulas vão contribuir para o sucesso do seu projeto. Quem sabe eu não venha a ter o enorme prazer de ser sua prestadora de contas num futuro próximo?
**Anacris Monteiro** é diretora da Ouro Verde Produções e atua há 10 anos no mercado carioca como produtora cultural. Seu diferencial é ser especialista em processos de liberação, administração e prestação de contas de recursos incentivados e conveniados para projetos culturais. Ela ganhou o Prêmio Klauss Vianna 2010 e tem atuado com sua produtora nos segmentos de dança, teatro infantil e adulto, espetáculos musicais, shows e concertos com orquestras e corais, entre outros.