Ouvidos e mente sempre abertos

Antonio Carlos

Já está no ar aqui no site, o primeiro vídeo do projeto Afro Funk Brasil, do Bossa Criativa, que tem como estrelas a famosa dupla baiana Antonio Carlos & Jocafi, acompanhada pelos jovens da Orquestra Instrumental de Violões do Forte Copacabana – OIVFC. Além da interpretação conjunta de músicas emblemáticas, o programa traz depoimentos e registros de época, que contextualizam a obra desses artistas. Na tela o próprio Antonio Carlos explica didaticamente a origem desse estilo musical, mostrando, com gravações e, também, ao violão, exemplos sonoros do que menciona. Atuar como professor não é uma novidade na rica trajetória desse artista, que dá aulas de harmonia e improvisação para os integrantes da OIVFC. Nesta entrevista, Antonio nos fala do Afro Funk Brasil e de como o gênero os aproximou das novas gerações de músicos brasileiros.

Como foi que a música afro entrou em suas composições?

A minha relação com a música de influência africana é grande. Na Bahia, antes mesmo de conhecer o Jocafi, 80% das minhas músicas eram ligadas ao afro. Minha primeira música tinha essa inspiração. Eu frequentava os terreiros, com Jorge Amado, Ildásio Tavares. Minha relação com o candomblé e a música afro vem desde criança.

E como o funk entrou nessa receita?

Como conto no vídeo, a música que nos colocou para trabalhar juntos foi Ossain, que era minha e do Ildásio Tavares. Daí o Jocafi apareceu, com novas ideias e sonoridade. Com isso, modificamos a música e foi aí que começou essa linha, que hoje chamamos de Afro Funk Brasil. A coisa foi andando devagarzinho, com contribuições maravilhosas de outros estilos, como a da guitarra do Lanny Gordin em Kabaluere na faixa original do nosso disco de 1971.

E quem criou esse nome, Afro Funk Brasil?

Isso é mais recente. A ideia é do Russo Passapusso, do BaianaSystem, hoje nosso parceiro e que eu considero como um filho.

Até aqui, vocês sempre foram mais lembrados pelo samba, não?

Nossos discos sempre foram cheios de variações nas músicas. Porque o baiano ouve de tudo. Bolero, marcha-rancho, samba, guarânia… é uma miscelânea! E a gente não é diferente. Mas, no Brasil, se você é jogador de futebol, não pode ser um compositor; se é um artista de TV, não pode ser jogador de futebol… Você só pode ser uma coisa. Como a primeira música nossa que estourou foi Desacato, um samba, colocaram na gente um rótulo, um carimbo de sambista. E aí, meu amigo, não dá para sair mais. Depois disso, músicas como Kabaluere, que é do nosso primeiro disco, e Simbarere, que é do segundo, parece que deixaram de existir, ficaram escondidas. Como se na gente não as tivesse feito, deixaram de ser lembradas. Isso aqui no Brasil, porque faziam muito sucesso na Europa. [Nota: as duas músicas, bem dançantes, são afro funks]

E o que trouxe essas músicas e o gênero de volta?

As pessoas que fizeram com que essas músicas voltassem foram o Marcelo D2 e seu produtor, o Tom Capone. [nota: Marcelo D2 usou um trecho sampleado de Kabaluere na música Qual É, produzido por Capone].

Foi esse produtor que colocou a música em filmes ingleses, na trilha do filme documentário sobre o Pelé. O D2 abriu uma porta danada para Kabaluere e, com o Capone, nos trouxe de volta, mudou muito a nossa vida. Deixamos o antigo rótulo de “sambistas” e partimos de novo com o Afro Funk Brasil.

E como é trabalhar com a Orquestra Instrumental de Violões do Forte Copacabana – OIVFC?

A Orquestra foi criada pela Márcia Melchior, que é fundadora da ONG Rudá, que mantém o projeto. Eu faço a direção musical e dou aulas de violão, harmonia e improvisação. Esses meninos são como filhos pra mim, adoro eles! Tê-los eles começando a tocar e chegarem ao nível em que estão, hoje, é uma coisa muito bacana. Eu fico muito feliz!

O objetivo do projeto é preparar esses meninos, todos vindos de projetos sociais e de comunidades carentes, para que entrem para as bandas das forças armadas, para terem uma profissão. Porque lá a gente não prepara os meninos não serem músicos por hobby. Têm que tocar direito, para conseguir passar nas provas para as bandas. Aos sábados, de manhã, dou aulas de violão e eles ensaiam. E, à tarde, têm aulas de harmonia e improvisação, comigo.

Os que entram para as forças armadas, como sargentos músicos, passam a receber um salário inicial de cerca de R$ 5 mil. Mudam de vida. ( Para saiber mais sobre a orquestra e sobre todo o projeto, clique aqui)

A rotatividade de músicos, então, é grande?

De dois em dois anos, três em três, temos uma baixa braba na orquestra. Desses que estão tocando nos vídeos, dois já saíram. E, só no ano passado, foram seis. Ao mesmo tempo que dá alegria vê-los conseguindo um emprego e uma carreira, dá tristeza, pois a convivência faz com que gostemos deles como filhos, mesmo. Passamos dias inteiros juntos, tocando, brincando.

Nesses dez anos em que estamos com o projeto no Forte de Copacabana, um grande grupo deles passou nas provas para a Marinha. Os que não passam, nunca é por causa da música, mas por conta de outras matérias, como português, matemática ou porque não sabem nadar. Em música, eles sempre se saem muito bem, todos passam.

Mas quando esses meninos vão embora, começamos tudo de novo, com novos alunos. É estimulante, mas não é nada fácil! Aprender improvisação precisa de tempo. Ler (música) não é difícil, é como se fosse uma alfabetização e as crianças aprendem rápido. Mas para saber realmente mexer com música, é preciso bem mais do que simplesmente conhecer as regras. É preciso ter uma série de conhecimentos e conceitos na cabeça.

E como é o intercâmbio musical de vocês, como artistas, com os mais jovens?

O nosso maestro na OIVFC, o Luiz Potter, é um talento, um gênio que sabe muito. Ele tem apenas 30 e poucos anos, começou a nos entender nesse novo caminho do Afro Funk Brasil e fez miséria com os arranjos das músicas que estão nos vídeos.

Fora isso, na nossa carreira da dupla Antonio Carlos e Jocafi, estamos terminando um disco, todo autoral, em parceria com o Russo Passapusso, do BaianaSystem [grupo musical baiano que se destacou com rock e reggae: para saiber mais, clique aqui]. O trabalho já está 80% pronto, só não terminamos por causa da pandemia, falta colocarmos a voz em uma parte. Mas vamos terminar em breve.

E o que mudou para você com a pandemia?

Estou há um ano aqui, dentro de casa, quase sem sair. Mas não posso me queixar. Nesse tempo de quarentena, por exemplo, compus 10 músicas que estarão no disco novo. Nós três trabalhamos nelas por telefone. Não sou muito de sair, mesmo, e acabei até conseguindo fazer exercícios para perder peso (risos).

A dupla

Formada na Bahia no final da década de 1960, a dupla Antonio Carlos & Jocafi começou a se tornar mais conhecida por sua participação nos festivais de música e, mais tarde, por sucessos como Mudei de Ideia, Desacato e – principalmente – Você abusou. A fama cresceu com a criação de temas para trilhas sonoras de novelas da TV Globo e a gravação de composições suas por estrelas nacionais e estrangeiras, como Luiz Gonzaga, Elis Regina, Gilberto Gil, Ella Fitzgerald e Stevie Wonder, entre muitos outros. Os dois têm no currículo dezenas de shows no exterior e participações em festivais internacionais e em discos de grandes outros artistas. Mais recentemente, a dupla passou a compor com Russo Passapusso, líder do BaianaSystem, com quem preparam o lançamento de um álbum este ano. (Para mais informações sobre Antonio Carlos & Jocafi, clique aqui)