O “primo” da Tuba

Nesta entrevista, Fernando Deddos fala do eufônio – também conhecido como bombardino –, que é muito usado em ritmos populares, como o Frevo. O eufônio teve como predecessores principais a serpente e o oficleide, dois outros instrumentos de sopro. Juntamente com a modernização dos instrumentos de metal, no início do século XIX, em 1843 foi patenteado o euphonion, sob curadoria de Ferdinand Sommer (Alemanha). Sommer foi também o primeiro solista desse instrumento. Congêneres, como o bombardino (nomenclatura utilizada no Brasil) foram desenvolvidos nos países latinos na mesma época.

**Seu nome, Deddos, talvez sugerisse um interesse por violão (dedilhados) ou piano por exemplo, mas você escolheu a tuba e o eufônio. Quando decidiu que se dedicaria a esse instrumento?**

Iniciei na música muito pequeno, com instrumentos de teclado e, justamente por isso e por ter características hiperativas, ganhei ainda na infância o apelido de “dedinhos”. Aos 12 anos entrei para a Banda Marcial Santos Anjos, e recebi também uma bolsa para estudar no colégio particular que sediava o grupo. Em pouco mais de um ano, tinha passado por outros instrumentos e abriu uma vaga para bombardino (eufônio). Fui felizmente o indicado. Não pensei duas vezes, pois era meu instrumento favorito. Doce na sonoridade e ágil e eficiente nos solos e contrapontos. Após um tempo, o pessoal da banda passou a chamar-me de “dedos” e, como ao mesmo tempo eu trabalhava como tecladista em bandas noturnas de baile, acabou virando “Deddos”.

**Você é o primeiro músico a lançar um disco integralmente dedicado ao eufônio no Brasil? Afinal o que é eufônio? O que ele tem de especial em relação à tuba?**

Em 2008 fui contemplado pela Lei do Mecenato, quando vivia em Curitiba, e surgiu ali a possibilidade real de criar, em conjunto com grandes artistas, o primeiro álbum todo preenchido por obras originais e arranjos que destacam o eufônio, apresentando suas características atuais, através de música composta no Brasil. O eufônio é o instrumento patenteado em 1843, e há os seus congêneres. A tuba é um primo mais grave do eufônio, e tem também sua família. Os dois compartilham características e unem-se frequentemente, consagrando até mesmo a já tradicional formação de quarteto de eufônios e tubas. Devido à grande utilização e construção de cenário e repertório feita até os dias de hoje, os dois ganharam status de instrumentos independentes em relação aos congêneres, sendo os mais utilizados nas formações de câmara, bandas e orquestras.

**O Eufônio é usado em ritmos como o Frevo. Ele tem grande repercussão em Pernambuco? No Carnaval? É muito usado em outras regiões do país?**

O eufônio faz parte da formação do Frevo, de sua essência. Com o passar do tempo, as formações das bandas foram mudando, e o bombardino acabou ficando mais voltado ao Frevo de Bloco, mais lento e voltado para as canções, com a orquestra de pau e corda. Getúlio Cavalcanti (Bloco da Saudade) compôs inclusive um frevo em homenagem à Emiliano do Bombardino, um dos poucos músicos que lutaram pela permanência do instrumento no Frevo. Hoje em dia, segue-se usando o bombardino e a flauta na orquestra de pau e arco, com poucos representantes em ação.
O eufônio é utilizado em todo o país. Todo e qualquer local que tiver uma banda de sopros muito provavelmente terá um bombardinista. Ou, caso não tenha, deveria ocorrer uma manifestação para que lá estivesse um representante deste instrumento tão importante na história da música brasileira, citando o choro e o frevo.

**Dentre suas obras, uma das que se destacam é *Nevoeiro*. O que te motivou a criá-la?**

*Nevoeiro* é uma peça interdisciplinar. As influências giram de Alceu Valença, Fernando Pessoa e The Police à Schostakovich, pois foi feita para originalmente para um concurso de composição na Rússia. Posteriormente, assumi a obra e dediquei ao professor Albert Khattar (UFRJ). Pessoa acaba entrando sorrateiramente em mais uma ou outra peça de meu repertório. Gosto do tom abrupto e tenro de sua obra: “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.” Um certo individualismo na obra do poeta fez-me pensar que caberia bem em uma peça para tuba desacompanhada.

**A tuba ganhou grande número de adeptos no Rio de Janeiro nos últimos anos devido aos blocos de Fanfarra – um deles composto somente por esse instrumento, o Bloco das Tubas. Já ouviu falar? O que explica esse poder de atração do instrumento?**

Sim! Já ouvi sobre o Bloco das Tubas! Gosto muito do movimento das fanfarras que vem aumentando no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Tenho alguns conhecidos que movimentam e vivem no cenário. A tuba e o eufônio são instrumentos “humildes”, que estão sempre presentes nas festas, contribuindo com tudo do bom e do melhor, e geralmente são “amigos” de todos os outros instrumentos. A comunidade dos eufônios e tubas é muito unida, e talvez esse perfil atraia mais interessados, além é claro de uma certa “alternatividade” na sonoridade e histórico dos instrumentos.

**Como tem sido sua rotina na pandemia? O quanto isso impactou ou mudou seu trabalho?**

Nosso bebê veio ao mundo um pouco antes de iniciar a pandemia, e somos nós dois e só (presencialmente). Tem sido muito difícil encontrar tempo para novos projetos e até mesmo para as aulas e compromissos com a UFRN. Porém, aproveitando todo o tempo que aparece, os projetos de gravação e eventos online tem sido nossa melhor saída. Não podemos parar de motivar a nova geração. Recentemente, coordenei juntamente ao Grupo de Eufônios e Tubas da UFRN (Guêtu), o IV Encontro de Tubas e Eufônios da UFRN – Octubafest UFRN 2020. O evento foi gratuito e teve a presença de inúmeros convidados nacionais e internacionais, dividindo-se em recitais, masterclasses, palestras e mesas redondas. Com destaque a uma sobre o eufônio e a tuba pelas bandas do Brasil, e outra acerca da eufônio e a tuba na música popular. Felizmente, tivemos repercussão internacional e o sentimento de que juntos colaboramos para que a classe de eufônio e tuba no Brasil persista em tempos tão difíceis.

**Fale um pouco da sua participação no projeto Sinos.**
Fiquei contentíssimo com o convite. Espero poder colaborar com a definitiva inclusão do eufônio no cenário do ensino da música no Brasil. São tantos instrumentistas por aí sem acesso à informação sobre repertório, história do instrumento, fundamentos para a execução e criatividade. Agradeço à Funarte e à UFRJ pela oportunidade de fazer parte do projeto.

As aulas
Com sua participação nas oficinas do Projeto Espiral do Sistema Nacional de Orquestras Sociais, Fernando pretende desmistificar o porquê de o eufônio ter se transformado no proeminente instrumento entre seus congêneres, além de trazer informações em geral sobre compositores que dedicaram obras ao instrumento, gêneros musicais, professores, e solistas em diversas partes do mundo.
As videoaulas elaboradas pelo músico abordam diversas temáticas relacionadas ao estudo e performance do Eufônio, como o panorama histórico do instrumento, conceitos da respiração, postura corporal, estudo dos fundamentos técnicos, repertório do eufônio, criatividade e improvisação, dentre outras.
Fernando Deddos é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Gravou o primeiro disco integralmente dedicado ao eufônio no Brasil, o *EuFonium Brasileiro*, premiado como o melhor disco do biênio pela Associação Internacional de Eufônios e Tubas (ITEA, 2010). Deddos possui doutorado pela University of Georgia, onde atuou como pesquisador do programa de interdisciplinaridade em artes, mestrado pela Duquesne University e graduação em composição e regência pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. É presidente da ETB – Associação de Eufônios e Tubas do Brasil e artista da Adams Instruments (Holanda). Suas obras são interpretadas nos cinco continentes e circulam entre a música de concerto, popular e projetos interdisciplinares, com diferentes parcerias, entre elas com Christoph Hartmann (Filarmônica de Berlim) e Trio de Trombones da Concertgebouw Orchestra. Em 2016, estreou seu *Concerto para Eufônio* com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre que recebeu em 2019 o prêmio Harvey Phillips da ITEA por excelência em composição.

**Assista aos vídeos da Oficina de Eufônio e de outros instrumentos aqui no site do projeto Sinos.**

Foto Rômulo Brito