“A Música é fundamental na vida de uma criança. Além do desenvolvimento cognitivo e de habilidades diversas, na prática coral há a interação social”, diz a regente e professora Juliana Melleiro, Ela está à frente da série de videoaulas *Construindo a Sonoridade Coral Infantil*, que começa a ser publicada esta semana aqui no site do Um Novo Olhar.
A série aborda características e possibilidades de preparo vocal para coros infantis. Além de breves contextualizações teóricas, também são propostas práticas de exercícios e vocalises autorais, que contribuem para o desenvolvimento de fundamentos da técnica vocal e de sonoridades corais específicas.
Confira a seguir uma entrevista com Juliana Melleiro:
**Como a música entrou em sua vida?**
Me considero uma “filha do canto coral”. Comecei a cantar em coro infantil aos sete anos de idade, poucos dias depois do falecimento do meu pai em um trágico acidente de carro. Eu e minhas duas irmãs fazíamos natação com os filhos da nossa primeira maestrina, Silmara Drezza. Um dia, no vestiário da academia, após a aula de natação, ela fez o convite a nossa mãe, para cantarmos no coral dela. Era o Coral Infantil Pio X, de nossa cidade natal, Jundiaí-SP.
O Canto Coral entrou em minha vida como uma forma terapêutica para lidar com o luto e a perda. Desde então, ele está presente em minha vida. Cantei em coros infantis, juvenis, jovens e adultos; tanto amadores, quanto semiprofissionais, além de ter me profissionalizado em música.
**Por que escolheu trabalhar com crianças?**
Escolhi trabalhar com coro infantil porque acredito no poder transformador da Música. Quero transformar vidas, assim como fui transformada. E retribuir toda generosidade e felicidade que recebi do canto coral e das pessoas maravilhosas com as quais pude estudar e trabalhar, ao longo de mais de 20 anos de cantorias.
Amo crianças e o jeito encantador com que olham o mundo. Para mim, vozes infantis leves e afinadas, soando em conjunto, são um dos sons mais lindos e tocantes que podemos ouvir.
**O que a inspira a compor?**
As dificuldades e necessidades dos meus grupos e minhas inquietações e utopias profissionais. Não sou compositora de formação. Tudo o que escrevi teve origem nas minhas pesquisas acadêmicas e no objetivo de desenvolver melhor meus coros. Meu processo composicional parte da reflexão, do embasamento teórico musical e vocal e do desejo de que exercícios e pequenas canções sejam criativos, lúdicos e “musicalizadores”.
Desde 2011, minhas pesquisas abordam o preparo vocal para coro infantil. No TCC, falei sobre a importância do aquecimento vocal. Na dissertação de mestrado, analisei o método de preparo vocal do maestro americano Henry Leck e relatei como o utilizei no meu coro infantil do Instituto Baccarelli, um projeto social muito importante da comunidade de Heliópolis, em São Paulo. Na tese de doutorado, fiz uma revisão de materiais já existentes e compus meus próprios vocalises, a fim de criar materiais específicos para o desenvolvimento das vozes infantis brasileiras. Os três trabalhos tiveram orientação do Prof. Dr. Angelo Fernandes, da Unicamp.
Mesmo após a conclusão do doutorado, sigo criando novos vocalises. No Brasil, ainda temos carência de materiais sobre voz e coro infantil e precisamos continuar a produzi-los e a torná-los acessíveis.
**Música na infância**
**Qual é a importância da música no desenvolvimento das crianças?**
A música, na vida de uma criança, é fundamental. Além do desenvolvimento cognitivo e de habilidades diversas, na prática coral, há a interação social. Nela, se aprende a ouvir, a cantar e a lidar com o outro. Aprende-se a viver em sociedade, o que transpõe a esfera musical.
É na infância que se cria o gosto musical e que se aprende a amar a música e as artes. Se queremos futuras/os líderes que as valorizem, é preciso ensiná-las/los tal valor na tenra idade. Também é necessário proporcionar experiências artísticas inesquecíveis e afetivas, como as que o coro infantil é capaz de proporcionar. Vale lembrar que um canto coral de excelência começa com uma boa educação musical de crianças e jovens, dentro e fora das escolas, e da sólida formação de educadoras/es, regentes e preparadoras/es vocais.
**Preparação da oficina**
**Como é sua oficina e como foi prepará-la na quarentena?**
A oficina foi criada com base no capítulo escrito no livro do projeto Um Novo Olhar, organizado pela Professora. Maria José Chevitarese. O principal objetivo da oficina é demonstrar como podemos preparar vocalmente coros infantis e como podemos construir sonoridades de acordo com o tipo de repertório interpretado por estes coros.
Penso que o som de um coro é seu “cartão de visitas” e reflete a preparação das(os) cantoras(es) e o potencial artístico de sua/seu regente. É através do som e do repertório que um coro se comunica com seu público, por isso é tão importante “lapidá-los” através da técnica vocal.
Ao preparar a oficina, no isolamento social, contei com a parceria de três grandes pianistas do estado de São Paulo: Jefferson Sini, Otávio Piola e Tiago Roscani. Eles compuseram e elaboraram os acompanhamentos instrumentais dos meus vocalises. Alguns fazem parte da minha tese de doutorado – “Preparo vocal para coros infantis: considerações e propostas pedagógicas” – defendida em 2018, pela Unicamp. Outros são composições mais recentes, sendo algumas exclusivas para o Um Novo Olhar.
No mais, fiz tudo sozinha: roteiro, produção de materiais, figurino, cenário, iluminação, gravação e edição dos áudios e vídeos das aulas. Foi desafiador, mas, ao mesmo tempo, me trouxe muitos aprendizados e satisfação. Espero que as pessoas gostem da oficina e que ela seja útil a muitas realidades corais!
**Música na quarentena**
**Você também é compositora, conseguiu criar durante o isolamento?**
Consegui criar um pouco durante o isolamento social, porém, não tanto quanto gostaria. Por conta dos meus trabalhos atuais, tive que me reinventar e aprender novas maneiras de ensinar. Também tenho a sensação de que, de forma remota, o volume e o tempo de trabalho aumentaram. Tudo isso me consumiu bastante.
Além de criar exercícios novos, também fiz algumas adaptações de materiais antigos, para que eles pudessem ser abordados no ensino remoto. Neste momento atípico, uma das coisas mais desafiadoras ao canto coral é não ter tecnologias e conectividade de internet que nos permitam ouvir o coro cantando junto, em tempo real. Isso limita nossa prática musical e exige a criação de novas estratégias e formas de trabalho.
**Como você vê a importância da música e demais artes nesse período?**
Nesse período de pandemia, acredito que as artes estejam auxiliando principalmente na manutenção da saúde emocional das pessoas. No meu coro infantil, por exemplo, vejo que as crianças esperam, ansiosamente, o dia do ensaio, para rever colegas, interagir, brincar, cantar e “espantar todos os males”. Noto que as famílias também têm participado mais, direta e indiretamente, das aulas. É bonito ver a música sendo feita em família. Sinto que as pessoas se conectam com afeto e valorizam estes singelos momentos artísticos. É um alento em meio ao caos.
Da mesma forma como faz bem às crianças e famílias, faz bem a nós, profissionais, nos auxiliando a não esmorecer e a manter nossa prática coral viva, até que tempos melhores cheguem.
**Juliana Melleiro** é Doutora e mestra em Música pela Unicamp e licenciada em Educação Musical pela Unesp. Atualmente, rege o Grupo KIDS do Canarinhos da Terra da Unicamp e coordena coros escolares desta instituição. É docente do Colégio Lumen Verbi e da pós-graduação em Educação Musical EAD da Unyleya. Também regeu coros do Instituto Baccarelli, cantou no Coro Contemporâneo de Campinas, Coral Jovem do Estado de São Paulo e o Coro Juvenil da Osesp; e aperfeiçoou-se em festivais nos Estados Unidos, Chile e Argentina.
***Assista esta e outras oficinas aqui no site do Projeto Um Novo Olhar e no canal Arte de Toda Gente no Youtube.***