Música, inclusão e diversidade

A professora Thelma Alvares é coordenadora de conteúdo do curso Música + Educação + Acessibilidade, no qual conta com o apoio dos também professores Viviane Louro e Fernando Guilhon. Thelma se dedica ao ensino, pesquisa e extensão no diálogo entre Educação Musical e Saúde. Seu objetivo é buscar, por meio da educação musical na diversidade, a desconstrução de estigmas e a construção de novas percepções e oportunidades, que facilitem a inserção social de grupos desfavorecidos.

Também com parte do Um Novo Olhar, a professora produziu o vodcast *Educação, inclusão e diversidade* disponível aqui no site (link: https://cutt.ly/HbjFJIg) e no canal Arte de Toda Gente, no Youtube. As inscrições para o curso Música + Educação + Acessibilidadese encerraram no dia 10/5. A as aulas terão início no dia 17/5.

__Confira a seguir nossa conversa com Thelma Alvares:__

**Como e quando começou sua carreira na música?**
Posso dizer que fiquei encantada pelo piano aos quatro anos de idade. Aquele móvel bonito soava maravilhas! O encantamento ocorria quando algum adulto tocava ou mesmo quando eu e minha irmã escolhíamos alguma partitura complicada da minha mãe e dizíamos: “vamos tocar esta aqui!” Era um momento musical mágico, em que imaginávamos traduzir em sons todas aquelas figuras musicais: um mergulho no mundo sonoro e em suas emoções, pelo menos para nós duas.

Um pouco mais velha, com o grupo de flauta doce do Seminário de Música da Bahia, fizemos apresentações em asilos, hospitais, orfanatos e assim por diante. Minha professora, Maria do Carmo, ensinava-nos não apenas a tocar um instrumento, mas também contribuía para que pudéssemos desenvolver uma consciência de como poderíamos ajudar, com música, pessoas em situações de vulnerabilidade.

Era uma grande confusão na Kombi que nos transportava para os eventos. Crianças excitadas, pulando, cantando, gritando; partituras, estantes de música, instrumentos… Dias muito especiais, principalmente ao perceber que a música trazia a emoção ou o sorriso para o rosto de quem parecia já tão sem vida… Foram experiências que me marcaram tão profundamente, que não tive como escolher outro caminho profissional: comecei pela Musicoterapia e, ao longo de meu percurso, incorporei também a Educação Musical na Diversidade.

**O vodcast *Educação, inclusão e diversidade* foi criado a partir de uma carta escrita por uma adolescente e enviada a um programa de aconselhamento emocional. Como surgiu essa ideia, do que tratava a carta e qual o propósito?**
Tive contato com essa carta ao ler o livro *Estigma*, de Erving Goffman, que narra o sofrimento de uma adolescente que nasceu, segundo o texto, “com um grande buraco no meio do rosto” e que gostaria muito de namorar, como qualquer menina, mas percebe que nenhum rapaz se interessa por ela por causa “dessa aparência”. Nossa intenção foi discutir a invisibilidade humana que é gerada quando alguém sai do “padrão típico” e o imenso sofrimento que isso acarreta.

A adolescente afirma que tem um tipo bonito, que dança bem e que se veste bem. Ou seja, ela se considera uma pessoa interessante. É fundamental separar a pessoa da deficiência. Nós, professores, trabalhamos com pessoas e não com diagnósticos. Não trabalhamos com um “Down”, com um “Asperger” ou algo assim. Jamais! Ao contrário, nossa sala de aula precisa ser um espaço de desconstrução dos estigmas e de prática do reconhecimento, respeito e valorização da diversidade humana. Assim, promoveremos o desenvolvimento do potencial de cada aluno.

Já observamos mudanças importantes, trazidas pelos movimentos a favor da inclusão e da diversidade, que também permitiram a projeção de muitos artistas com deficiência que antes não tinham espaço social para sua arte. Quando, de fato, acolhemos a diversidade, abrimos espaços transformadores para a interação humana. Isso é Educação! Adquirimos não apenas conhecimento, mas também valores que esculpem uma cidadania que promoverá um mundo melhor.

**O curso Música + Educação + Acessibilidade foi desenvolvido por professores de música para professores que não são músicos. Qual o objetivo do curso, a expectativa?**
A música é um bem da sociedade e faz parte da vida de todos. Temos vivências sonoras, e também musicais, desde a vida intrauterina. Os sons e a música facilitam a interação do bebê com os pais, permitindo que ele construa o entendimento do mundo. Isso ocorre de forma instintiva, em diferentes culturas e contribui para o desenvolvimento global da criança.

A música permeia o cotidiano, momentos marcantes que ocorrem em diferentes fases da vida humana. Zuckerkandl [Victor Zuckerkandl, musicólogo austríaco] afirma que não é possível separar homem e música! Tendo esse entendimento, acreditamos que professores que não são músicos podem enriquecer e encontrar novos caminhos para os desafios da profissão, especialmente no trabalho com pessoas com deficiência.

É importante deixar claro que nossa proposta não envolve o ensino de música, que deve ser feito por profissionais da Educação Musical. Nossa ideia é promover uma abertura para uma riquíssima ferramenta de trabalho que contribuirá com uma educação que abre os horizontes culturais de nossos alunos.

Nosso esforço é para a promoção de uma educação mais criativa, afetiva e que facilite o aprendizado de pessoas que, por diferentes motivos, têm dificuldade com o modelo tradicional de ensino e aprendizagem. Para tanto, é importante que o professor “se aproprie” da música e perceba que, mesmo não sendo músico, poderá enriquecer, ou mesmo transformar significativamente, seu trabalho. É preciso um pouco de ousadia! Nós apenas esboçamos um caminho. Os professores irão construí-lo e percorrê-lo de fato!

**Nestes tempos de isolamento, a música ganha um papel ainda mais relevante?**
Acho que sim. Em minhas aulas com pessoas em sofrimento psíquico, que padecem, talvez, ainda de forma mais profunda, com o isolamento social, tenho percebido de que maneira a música tem contribuído de forma significativa com o bem-estar e a preservação do interesse pelo mundo e pela própria vida.

Nós, humanos, somos seres que precisam de interação com o outro. Nossa tendência é adoecer, “murchar” com o isolamento. No entanto, a música promove a interação, mesmo à distância, trazendo bagagens importantes de nossa vida que compartilhamos em nossa aula virtual. A música instiga a curiosidade! Estimula o desejo de conhecer mais sobre aquilo que já fez parte da nossa vida como também da vida do outro. Assim, as aulas fluem apesar dos desafios virtuais, da queda da internet ou da péssima conexão.

Com toda a dificuldade de fazer música nas plataformas, estamos trabalhando com os estilos, compositores e períodos da MPB. É claro que sempre dialogamos com os alunos, a fim de preparar aulas que vão ao encontro do interesse deles. Muitas vezes, o aluno está desanimado, mas quando apresentamos a música ou compositor de seu interesse, percebemos mudança na atitude: surge um engajamento com a aula, que se desdobra em um ânimo generalizado. Há uma expectativa pelo dia de nosso encontro.

A Educação não deveria nunca se desvencilhar do interesse pela vida, mas, sim, ser um meio de incitar o interesse pelo conhecimento. Afinal, o desejo de descobrir, de conhecer mais, é uma forma de interesse pela vida, não é?

**Para terminarmos, qual sua música favorita ou que mais lhe marcou?**
Bem, essa é a pergunta é a mais difícil… Eu não posso dizer que tenho “a” música favorita. São muitas favoritas, que são escolhidas dependendo do momento. Mas, já que estamos falando de pandemia, Chopin compôs o *Noturno em si bemol menor*. Uma música que me “tira de qualquer buraco”, me traz esperança, luz e a certeza de que “vai passar”. Vai passar.

**Thelma Alvares** é professora titular da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde atua no curso de Licenciatura em Música, bacharelado em Musicoterapia e no programa de pós-graduação em Educação Musical. Foi coordenadora do projeto de extensão da Escola de Música e do Instituto de Psiquiatria e do Festival de Arte e Cultura da Diversidade, realizado entre 2012 e 2018. Realizou estágio de pós-doutorado em Saúde Pública na Fundação Oswaldo Cruz sob a supervisão do Dr. Paulo Amarante.

Ela tem bacharelado em Musicoterapia (Conservatório Brasileiro de Música, 1986), especialização em Saúde Mental (Instituto de Psiquiatria, UFRJ,1989), mestrado em Terapias Expressivas (Lesley College, 1993) e doutorado em Educação Musical/Musicoterapia (University of Miami, 2001). Obteve a formação nos Métodos Nordoff-Robbins de Musicoterapia (New York University,1994) e Bonny de Imagens Guiadas e Música. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Terapia das Artes (formação de arteterapeutas e musicoterapeutas) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
É autora do livro *Coisa de Mulher? A Maternidade e a Musicoterapia: Jornadas no Mundo Patriarcal* (2013). Em 2016, publicou o livro, organizado com o Dr. Paulo Amarante, *Educação Musical na Diversidade: construindo um olhar de reconhecimento humano e equidade social em Educação*.