Em sua apresentação aqui no site do Bossa Criativa, o coreógrafo Renato Vieira entra em cena como há muito não fazia, como bailarino, mostrando como nascem suas criações e falando sobre sua companhia de dança. No vídeo estão também depoimentos da equipe próxima a ele, reflexões e histórias sobre seu modo de trabalho e como isso está relacionado com a vida e os corpos dos bailarinos. Além de Renato, participam os bailarinos Bruno Cezario, Felipe Padilha, Soraya Bastos e Hugo Lopes.
“Trata-se de parte do procedimento, porque a pandemia que estamos vivendo modificou inteiramente o processo”, explica Renato Vieira. “Os ensaios, as pesquisas de sentido e apropriação no corpo dos movimentos, a troca de ideias de movimentos, a motivação presencial, as energias físicas e psíquicas – dos artistas em todas as partes do mundo mudou. Toda essa riqueza criativa, o exercício cotidiano físico e psíquico envolvido na dança foi subitamente interrompido por um período indeterminado. Como se a vida ficasse em suspenso. E está. Como os corpos respondem a essa suspensão? Como pessoas habituadas à proximidade humana, ao contato físico, à experimentação coletiva respondem criativamente? Como um coreógrafo rege, conduz, sua orquestra de sentidos?”, questiona o artista.
No vídeo, o coreógrafo não só reflete e responde esses questionamentos, como também instiga os bailarinos e assistentes a compartilharem cada vez mais da autoria do que chama de Coreografia em Aberto. “Há um caos na criação, mas um caos diferente do que sempre existiu anteriormente. Talvez o nome mais apropriado fosse ‘Ideias para uma Coreografia em Aberto’”, sugere Renato.
O coreógrafo fala também de como tem sido o trabalho no isolamento: “Durante essa pandemia, a gente tinha que trabalhar em cima do estado desse lugar do confinamento. Como eles já trabalham comigo há muitos anos e são bailarinos e intérpretes criadores, eu enviava para eles as frases coreográficas. Fazia aqui na minha casa e eles transformavam, interpretavam essas frases, como resultado desse trabalho. Não trabalhamos contando a historinha, mas o estado de estar ali”, explica.
**Linguagem própria**
Assistente do coreógrafo e bailarina, Soraya Bastos menciona sua longa estrada com a Renato Vieira Cia de Dança e reconhece que seu amadurecimento como artista vem desse convívio. “O Renato sempre teve muita segurança, ele sabe muito bem o que quer em relação ao espetáculo. Sua companhia sempre teve um conceito por trás, para onde tudo aquilo estava vindo, ele é muito intuitivo”.
Soraya afirma que o processo passou por mudanças, mas os pontos marcantes permaneceram, “Ele continua com um fio condutor inicial muito forte, que é a figura do Renato, sua a linguagem e sua estética. Ao longo dos anos, porém, ele foi querendo cada vez mais a participação da gente como bailarinos; Não só como intérpretes da movimentação dele, mas como criadores também. É por isso que ele gosta tanto de trabalhar com bailarinos maduros. Não tem a ver necessariamente com idade, mas sim com maturidade cênica”, diz a artista.
“Neste trabalho, as células coreográficas eram dele, mas foram alteradas pelo espaço possível dentro da minha casa, pelas emoções que atravessavam meu corpo pelo isolamento imposto, pela saudade e ao mesmo tempo pela aceitação do que é possível no momento”, conta Soraya.
A parceria entre Renato e Soraya já rendeu grandes projetos, um deles foi o trabalho que fizeram para uma das cerimônias dos Jogos Pan Americanos de 2007, no qual Renato foi um dos coreógrafos e ela sua assistente. “Foi um aprendizado incrível! Apesar de já estar participando do Carnaval Carioca em Comissões de Frente junto com o Renato desde 2003, na Cerimônia de Abertura do Pan trabalhávamos com voluntários, e não com bailarinos profissionais”, conta ela. “Além disso, a quantidade de pessoas sob o nosso comando era muito maior, era a primeira vez que eu trabalhava com coreografia massiva. Conduzir e ensinar todos aqueles voluntários foi um super aprendizado, além de toda a logística que envolve um evento como esse”, explica Soraya.
Soraya esteve também à frente da cerimônia de encerramento das Olimpíadas Rio 2016, além de outros trabalhos com diferentes coreógrafos. Garante, entretanto, que a Renato Vieira Cia de Dança é o seu porto seguro. “É onde eu me sinto mais à vontade, é minha casa, minha família. A parceria que rola ali é o que há de mais belo, o que mais vale a pena”.
Por conta da experiência adquirida nos Pan Americanos, Soraya recebeu um convite de Bryn Walters para participar de sua equipe de coreógrafos Rio 2016. “Nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 eu estava como coreógrafa, e não só como assistente. Conduzi sozinha um segmento de quase 500 voluntários”, relata. “Várias coisas ficaram na minha lembrança, mas as principais foram a dedicação dos voluntários na realização daquilo tudo, a parceria dos meus colegas de trabalho e a força que tem um trabalho em conjunto”, reconhece Soraya.
E foi nesse clima de trabalho conjunto que foi realizado o vídeo de Renato Vieira com sua equipe. Dele também participam Bruno Cezario – que divide a coreografia e a direção artística da companhia (e que já integrou o Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro), os bailarinos Hugo Lopes, que é professor na escola Petite Danse e Felipe Padilha, que faz parte da Companhia de Ballet da Cidade de Niterói.
**Dramaticidade humana em cena**
Renato Vieira formou-se em Publicidade e Relações Públicas, além de ter cursado a Escola de Teatro, ter frequentado aulas de balé clássico, moderno e jazz no Brasil, e feito alguns cursos de especialização no exterior. Em 1988, fundou a companhia que leva seu nome, com o propósito de trazer à cena a “dramaticidade da condição humana”. Suas obras não se restringem apenas a sua companhia, Renato já coreografou para a Companhia de Ballet da Cidade de Niterói, o Teatro Guaíra e o Theatro Municipal do Rio de Janeiro; e está entre os pioneiros na direção de movimento para teatro, cinema e televisão. Ele também trabalhou para escolas de samba, estreando como coreógrafo da comissão de frente da Grande Rio no carnaval de 2003 e ali permanecendo por nove anos. Além disso, na TV, coreografou minisséries, aberturas de programas e especiais musicais.
O processo do coreógrafo e da Renato Vieira Cia de Dança poderá ser conferido aqui no site a partir do dia 4 de setembro. “O Bossa Criativa também detonou uma ideia, que é a de criar depois da pandemia um espetáculo com esses vídeos, tentar juntar numa edição, colocar textos para contar essa experiência de se estar confinado”, diz Renato. As circunstâncias fizeram com que percebesse que seus trabalhos anteriores continuam atuais. “Nos fez ver como a gente já tinha um alerta, o Poeira e Água falava disso, e tinha o Blue, que falava da intolerância, do racismo, do que está se falando agora”, conclui o coreógrafo.