Realizada no final de julho em plataforma fechada, mediante inscrição prévia, a oficina *O Passo – música e educação* foi dividida em duas partes, com informações teóricas e muito exercício prático. A atividade, produzida pelo projeto Um Novo Olhar e parte do Festival Arte de Toda Gente partiu do método criado por Lucas Ciavatta, diretor geral do Instituto d’O Passo, que tem como princípios a inclusão e autonomia, buscando tornar o saber e o fazer musical acessíveis a qualquer pessoa. Nesta entrevista, Lucas nos fala sobre sua formação, método e objetivos.
**O que é o Passo? Quais os principais objetivos?**
O Passo é um método de alfabetização musical que articula e equilibra três tipos de notação: notação corporal, notação oral e notação gráfica. Ele tem dois princípios: inclusão e autonomia. E quatro pilares: corpo, imaginação, grupo e cultura. Temos sempre em mente que música é um direito, Fazer música, não apenas ouvir. Entrar na roda, tocar e cantar com tranquilidade.
**Quando e como surgiu o Passo?**
Dei os primeiros passos com O Passo em 1996, no Colégio de Aplicação da UERJ, no Rio, junto com trinta crianças de nove anos de idade. Depois, a Escola Oga Mitá, no segundo segmento do ensino fundamental, foi um capítulo especial nessa história e mais tarde, fundamental, foi o meu Mestrado em Educação na UFF, orientado pela professora Dominique Colinvaux. Estou agora no Doutorado em Educação na PUC, sob orientação do professor Ralph Bannell e a história continua.
Durante algum tempo, acreditei que houvesse criado O Passo por não conhecer profundamente outros métodos. Hoje, 25 anos depois, vejo que mesmo que os conhecesse, seria preciso criá-lo, porque ele tem nos levado a lugares que outros métodos ou não conseguiram ir ou não acharam importante ir.
Há pelo menos dois lugares aonde vamos regularmente e não vejo por lá outros métodos. No O Passo, para fazer a passagem entre o “sentir”, o experimentar, e a organização do conhecimento musical não falamos de “expressão corporal”, “vivenciar com o corpo” ou variantes desse objetivo, mas dizemos “escrever com o corpo”. O método busca também ampliar a familiaridade de todos, tanto com os agrupamentos de tempo quanto com as divisões do tempo pra lá do contratempo.
**Como foi sua formação antes de se dedicar ao Passo? Essa formação influenciou a criação do método?**
Muito! O mais importante é que sempre tive uma intensa prática corporal: futebol, dança, natação, acrobacia e, principalmente, tai chi (uma arte marcial Chinesa). Todo o trabalho de avaliação da qualidade do conhecimento musical a partir da avaliação da qualidade do movimento corporal está ligado a essa vivência. Além disso, há a minha experiência em design, que me ajudou (e ainda ajuda) a pensar toda a parte do método ligada à Partitura d’O Passo, ligada ao sistema tradicional.
Há também o que é possivelmente a base de tudo, minha experiência como aluno de educação infantil e ensino fundamental do primeiro segmento em uma escola Montessori*. Obviamente, todo o meu contato com outras metodologias foi importante, na minha graduação na UNIRIO, em especial com a inestimável ajuda da professora Regina Marcia Simão Santos.
(*) *Escola que funciona segundo o Método Montessori, que é o nome que se dá ao conjunto de teorias, práticas e materiais didáticos criado ou idealizado inicialmente por Maria Montessori. Segundo ela, o desenvolvimento se dá em “períodos sensíveis”, de forma que em cada época da vida predominam certas características e sensibilidades específicas.*
(Fonte: EBC https://memoria.ebc.com.br/infantil/para-pais/2015/05/o-que-e-o-metodo-montessori-de-ensino)*
É fundamental também mencionar que a própria necessidade d’O Passo surgiu para mim quando comecei a me aproximar e tentar aproximar minhas alunas e alunos do repertório de cantos e batuques da cultura popular brasileira. Inicialmente com o hoje professor do Instituto d’O Passo e regente do Monobloco Celso Alvim (o primeiro a ver a riqueza d’O Passo) e, depois, com o mestre de incontáveis batuqueiras/os de Samba, Mestre Odilon Costa.
**Como o método é útil para músicos e cantores?**
Como se melhora o que se está tocando ou cantando? Com quantidade? Sim! Só que sabemos (ou deveríamos saber) que quantidade sem qualidade em geral não significa nada. Então como você garante qualidade na quantidade? Só ampliando a consciência sobre o que você está fazendo. E é aí, nesse processo de ampliação da consciência, que O Passo é uma ferramenta inestimável!
**Como foi a oficina ao vivo e online no Festival Arte de Toda Gente?**
Eu e o professor do Instituto d’O Passo Daniel Reginato (regente e arranjador de São Paulo) apresentamos o método para quem ainda não o conhece e abrimos espaço para as dúvidas daquelas/es que já o conhecem. O Daniel, por já ter uma longa experiência de utilização d’O Passo com seus coros, trouxe também uma série de informações e propostas para quem quer começar a utilizá-lo nesse espaço.
**Mesmo que não seja músico, qualquer um pode utilizar o método?**
Sim! A oficina foi mais voltada para regentes de coro e coralistas, mas O Passo é muito generoso e facilmente acolhe a todos. É fundamental ter em mente que todos aqueles que andam tem uma clara noção de regularidade através do andar e marcam com precisão o contratempo com suas mãos, se elas tocam seus corpos quando estão andando. Trazer para a consciência todo esse processo mágico que está dado pela natureza é um verdadeiro desafio. Mas O Passo tem ferramentas poderosíssimas para essa construção.
Um último detalhe: mesmo quem não anda, mesmo que nunca tenha andado por conta própria, necessariamente vivenciou o deslocamento do eixo (base para a noção de pulso) nos braços de alguém!
Veja informações, dicas e exercícios no site do instituto:
https://www.institutodopasso.org/
**Lucas Ciavatta** é formado em Música pela Unirio e mestre em Educação pela UFF. Ele é também diretor do Bloco d’O Passo, professor da PUC-Rio, da Maracatu Brasil e coordenador de música do Colégio Sarah Dawsey. Há mais de 20 anos desenvolve projetos de música e educação em parceria com diversas instituições, escolas, universidades, ONGs, SESCs, prefeituras etc. No exterior, realizou cursos e oficinas sobre seu método na França, nos EUA, na Alemanha, na Áustria, no Chile e no Uruguai.
***Assista apresentações e oficinas aqui no site do Projeto Um Novo Olhar.***
Foto: Aula de Lucas Ciavatta no Conservatoire de Besançon – foto Myriam Rignol.