Em celebração ao Dia do Choro (23 de abril), a equipe do Bossa Criativa conversou com o artista e instrumentista Abel Luiz sobre diversos assuntos, entre eles a relevância desse gênero musical tão brasileiro, a sua história e os seus próximos lançamentos.
Abel respira música desde sempre. Aprendeu a tocar com mestres como Guilherme Milagres, Joel do Nascimento, André Poyart, Ignez Perdigão, Zé Menezes, Maestro Alceu Bocchino, e com seu avô, o violinista Luiz Gonzaga.
Ele marca presença nas rodas de Choro desde pequeno e conhece esse ambiente como se fosse o seu lar. Atualmente, o artista se prepara para concluir um mestrado pela Escola de Música da UFRJ, e está sendo orientado por ninguém mais e ninguém menos do Henrique Cazes. Ao mesmo tempo, ele se dedica a outros projetos musicais e sociais. Vem conferir o bate-papo!
Como você explicaria o Choro para alguém que não tem muito contato com o gênero?
Pras pessoas que não estão tão imersas no universo do Choro, eu diria que elas podem ter a ideia de um andamento mais lento, que seria como uma seresta, e de um andamento mais rápido como brasileirinho, que são um dos choros mais populares. O que eu poderia dizer é que o Choro foi uma música que conseguiu feitos muito importantes e relevantes para a música do Brasil.
Ele nasce de uma forma de interpretar e de incorporar músicas que estavam ao redor dele, o maxixe, o próprio tango brasileiro, a valsa, a mazurca, e ele consegue o feito de amalgamar essas músicas que estão em torno daquele ambiente social, nasce de uma forma de interpretar essas músicas para se consolidar como um gênero. E ele consegue um feito super importante que demarca toda a trajetória dele até o presente momento: no universo da roda de Choro, onde a gente conhece o Choro e a gente conhece essa figura que interpreta o Choro, que é o Chorão, você continua ouvindo essas músicas até hoje.
O que faz o Choro ser tão importante?
O choro conseguiu ser um gênero particular com vários estilos ao seu redor, e que mesmo após a consolidação desse gênero, todas essas músicas continuam dentro do seu universo. Então entender de Choro, passa também por estar vivenciando o Choro, no sentido mais social, antropológico, de estar na roda. Outra coisa que o gênero produz de importante para a música brasileira é que conforme ele vai avançando o país, atualmente e ao longo dessa história, você passa a encontrá-lo em todos os lugares. É muito importante isso porque você olha para artistas relevantes de outros ritmos e gêneros e percebe que antes de estarem construindo novos gêneros, que formam a cultura brasileira, eles tocavam Choro. Exemplo disso é Luiz Gonzaga, rei do Baião e Mestre Vieira, da guitarrada.
Você disse que pra entender o Choro é preciso também entender a roda de Choro, certo? Fale mais sobre isso!
Uma coisa é tocar Choro, outra coisa é ser Chorão. Todo mundo pode tocar Choro, o Choro é um bem cultural, um bem material, é um orgulho, uma alegria, é um encantamento do Brasil. Mas outra coisa é ser Chorão. Não digo isso somente pelo Choro, acredito que qualquer gênero que a pessoa se dedique, como o rock ou jazz, uma coisa é curtir, outra coisa é estar totalmente dedicado, é entender que a vocação dele é viver aquele ambiente, estar com aquelas pessoas, é respirar aquilo. E aí se a gente se perguntar onde se produz o Choro, onde essa linguagem tem a sua manutenção, é nas rodas de Choro. Não só a manutenção mas também sua salvaguarda, sua constante capacidade de incorporar e de ser incorporada às novidades, a roda é esse ambiente.
Isso é importante de se pensar no sentido de que a roda é uma tecnologia, uma pedagogia, ela já tem todo um sistema de como essa hierarquia acontece. Você vai ver coisas relacionadas à hierarquia, você vai ver coisas relacionadas à ancestralidade, questões relacionadas ao mistério, aos rituais, você vai entender que é necessário construir a forma de como participar daquilo, de como demonstrar que tá afim de participar daquilo, então tem uma série de coisas que envolvem chegar na roda, se encantar com a roda, frequentar a roda, até fazer parte da roda. É uma tecnologia, não por acaso, super relacionada à nossa cultura afro-ameríndia né? É uma ciência dos povos africanos e também dos povos tradicionais da cultura indígena. A roda está presente na nossa cultura, desde entrevista de emprego até uma brincadeira da molecada, é uma coisa que está atravessando civilizações, gerações, sempre se reinventando, e sempre munindo a gente de maneiras de encantar e ser encantado, por manifestações como o Choro, por exemplo.
Como a sua relação com a música e, mais especificamente com o Choro, começou?
A minha relação com a música eu não vou nem dizer que é desde quando eu nasci, porque acho que, na verdade, ela me precede. Até onde eu sei, o músico mais antigo da família é o pai do meu avô materno, ele tocava cavaquinho, ensinou para o meu avô, que posteriormente passou a tocar também violão de seis e sete cordas, e foi esse avô que me ensinou música.
A música sempre foi uma realidade na nossa casa, antes de eu nascer, a partir do momento que nasci e felizmente continua sendo, mesmo após falecimento do meu avô. As nossas casas sempre foram muito sonoras, então desde muito cedo ou pessoas estavam lá em casa, ou eu estava nas andanças com meu avô, que era a pessoa que mais saía. Sempre foi um território sonoro a qual eu sempre percorri. No meio da vida brincante, tinha também a vida andante por todos os lugares da cidade. Eu falo isso porque essa coisa de caminhar e de caminhar ouvindo, quando eu resolvi me dedicar e pegar um instrumento, tudo aquilo já estava muito presente na minha vida.
Naquela época, o que mais te chamava atenção no universo do Choro?
Uma outra coisa que me chamava atenção quando eu ia nesses ambientes pelo subúrbio com meu avô é que, como não tinha registro e eles iam cantando em vários bares ao longo da semana, às vezes eu ouvia a mesma música sendo tocada e solada em diferentes tons, o mês inteiro. Então eu pensava que eu não podia afirmar que sabia tocar se eu não soubesse acompanhar e solar em todos esses tons. Eu brinco muito que, mais do que aprender o que eu queria fazer, eu aprendi, sobretudo, o que eu não conseguia fazer. Não era sobre onde eu queria chegar, era sobre tudo que eu não fazia.
E lembrando que a gente está falando das pessoas pobres das nossas cidades, pessoas que moravam nas favelas, nas periferias, no subúrbio, pessoas que estão no subemprego, nos trabalhos informais, que muitas vezes tinham 3 trabalhos para fazer uma renda, que já perderam tudo que tinham mais de uma vez numa enchente, fora todas essas questões que atravessavam, como preconceito, o estigma, o racismo, todas essas coisas atravessava a vida das pessoas, e em alguns casos ainda atravessa. E, no meio disso tudo, pensar que essas pessoas conseguiram um nível de reconhecimento e de excelência, não só entre os seus pares, entre os mais velhos, entre os mais novos da geração posterior a deles, mas extrapolando essas pessoas, extrapolando seu ciclo de relações. Um reconhecimento que extravasa tudo isso que encanta para além disso. Que diz um monte de coisas bonitas, que a gente entende, que estão na gente, mas a gente não sabia que existia, isso é um feito maravilhoso do que é o Brasil, do que é o Choro.
Você foi indicado para nós como um dos importantes nomes do Novo Choro. Você se enxerga dessa forma?
Pensando o Choro como um instrumento decodificador de territórios do Brasil, acho que por essa própria natureza do Choro, ele é um processo contínuo. Ele é uma espécie de decodificador de sonoridades e som, no sentido amplo, de relação, de afeto, de história, de geografia, então entendendo o Choro como uma música que desde a sua gênese, amálgama os sons ao seu redor e serve de base para outros sons.
Então eu não vou dizer se eu sou uma pessoa do Novo ou do Velho Choro, eu sou uma pessoa do Choro e eu tô mais, assim, pra continuar caminhando com ele por onde ele for. Eu acho que tem a questão geracional, mas no meu caso tem algumas aplicações e implicações, porque, como eu falei, eu comecei andando com meu avô, desde muito novo ando com pessoas muito mais velhas, então o que posso dizer é que me considero muito feliz em proporcionar esse meio de campo entre essas pontas das gerações.
Ainda falando sobre seu trabalho, além das produções musicais, você tem um projeto que envolve a saúde mental, certo?
Tenho um projeto há muito tempo que é ligado ao carnaval e à saúde mental, na Zona Norte do Rio de Janeiro, o Bloco Loucura Suburbana. O bloco é formado por usuários da rede de saúde mental pública, familiares, profissionais, de diferentes equipamentos como o Centro de Atenção Psicossocial, e o Instituto Municipal Nise da Silveira, e reúne essa galera de diferentes locais do Estado e da cidade.
O desfile no Carnaval é a culminância das ações, mas durante o ano realizamos diversas oficinas gratuitas e abertas para todo o público. Acho que vale falar que o Instituto Nise da Silveira encerrou as atividades de internação depois de mais de 100 anos, e hoje está se reconstruindo como um parque público e parte disso, além do trabalho dos profissionais de saúde mental, também foi contribuição de equipamentos culturais como o Loucura Suburbana, que no ano de 2022 recebeu as duas maiores honrarias do município, a Medalha Pedro Ernesto, e do estado, que foi a Medalha Tiradentes, pelos serviços prestados.
Para fechar a nossa conversa, no que você anda envolvido atualmente? Quais são os planos para os próximos meses?
Tenho um trabalho de instrumental que agora a gente vai lançar o segundo disco, chamado Diálogos Sonoros. É um trio que se chama Choro Novo, com Reinaldo Pestana e Marlon Mozer. No nosso primeiro disco fomos muito felizes, fomos indicados para premiações, fizemos muitas apresentações legais, e uma das coisas mais maravilhosas que a gente fez e vamos continuar fazendo, foi conversar sobre o instrumental nas escolas públicas das redes municipal e estadual da cidade do Rio e de alguns municípios da baixada fluminense.
A gente também toca nas ruas, nos bares, nas praças, e por essa experiência com as crianças e com essas diferentes formas do nosso som estar na rua e na cidade, a gente foi mapeando esses repertórios que a gente foi construindo, e isso gerou um disco. O primeiro foi autoral e esse segundo é todo de arranjos, são músicas que a gente regravou, mas tem uma música inédita, Cavaquinho em Prantos. Ela é composta por Mestre Siqueira, mestre e amigo do meu avô, e ele compôs quando ouviu no rádio a notícia do falecimento do Waldir Azevedo. Ele é um dos únicos músicos vivos que integrou a velha guarda, que tocou junto com Pixinguinha.
No final do ano passado, lancei o disco “Onze Cordas”, dedicado ao violão tenor e ao violão sete cordas, gravado por mim e por Rafael Mallmith. É um disco todo autoral de composições minhas, dele, e parcerias nossas também. Paralelo, sigo tocando nas rodas de samba de Choro, tem projetos muito bonitos que eu participo, tem o Terreiro de Crioulo, que é uma roda de samba na Zona Oeste do Rio de Janeiro e a gente tem feito outras apresentações pelo Brasil.
Ah, e tô terminando agora também o mestrado, orientado pelo grande mestre Henrique Cazes, que é uma referência no cavaquinho, na música, e que agora também é grande referência nesse departamento intelectual, que muito generosamente tem me orientado, me dado força, suporte, cobrança. O fruto dessa pesquisa, que posteriormente vai se cristalizar no próximo trabalho, é um registro de seis peças solos para seis diferentes instrumentos. E junto desse álbum vão sair seis vídeos e o caderno de partitura dessas peças, em breve.