No curso *Artes Integradas + Educação + Acessibilidade*, ministrado em parceria com Diele Santo, a psicóloga e educadora Daina Leyton propõe uma reflexão sobre as condutas dentro e fora da sala de aula. “Quais são as transformações necessárias para passarmos a compreender o que é normalmente entendido como limitação e como potencialidade?”, pergunta.
Confira a seguir a entrevista que Daina Leyton concedeu ao projeto Um Novo Olhar
**Quando e como você decidiu trabalhar com acessibilidade?**
Tomei essa decisão quando trabalhava com o público da saúde mental num centro de Atenção Psicossocial¹.
Ali percebi que, por melhor que fosse o tratamento proporcionado, muito faltava a ser desenvolvido nas demais situações com que aqueles pacientes teriam que lidar em suas vidas. A sociedade em geral não parecia minimamente preparada para acolher pessoas em seus diferentes modos de estar no mundo. Essa escassez de possibilidades não se encerra no público da saúde mental, mas se estende a todos nós. Ficou claro para mim como essas limitações de possibilidades estão presentes na vida das pessoas com deficiência. Então passei a imaginar como poderia contribuir na construção de uma realidade que fomente e celebre a diferença.
Trabalhando num dispositivo que buscava a reabilitação psicossocial, me perguntava, então, sobre a existência de espaços fecundos, quem sabe espaços culturais, que “experimentassem”, que permitissem explorar outras percepções, outras possibilidades e que contribuíssem com a celebração da diversidade. Em 2000, soube que o Museu de Arte Moderna de São Paulo estava recebendo semanalmente internos e moradores do Hospital Psiquiátrico Juquery em suas exposições e em seu ateliê². Entre os participantes havia moradores que não saíam do hospital há décadas. Entrei em contato com o setor educativo do MAM e perguntei se poderia acompanhar a realização dessas atividades.
*(1) Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) nas suas diferentes modalidades são pontos de atenção estratégicos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS): serviços de saúde de caráter aberto e comunitário constituído por equipe multiprofissional e que atua sobre a ótica interdisciplinar e realiza prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, em sua área territorial, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial e são substitutivos ao modelo asilar”. Site do Ministério da Saúde. Disponível em http://portalms.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-mental/acoes-e-programas-saude-mental/centro-de-atencao-psicossocial-caps*
*(2) Por intermédio da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, o MAM passou a receber moradores do Hospital Psiquiátrico do Juquery. A psicóloga Cris Rocha foi convidada pelo MAM Educativo para planejar e realizar visitas e atividades de ateliê. No ano seguinte as atividades passaram a ser ministradas por professores-artistas do MAM Educativo.*
**Você considera que sua formação em Psicologia foi um diferencial nesse processo?**
Certamente foi. Na época que comecei a desenvolver o trabalho, era muito claro para mim como as pessoas com formação em psicologia deveriam atuar e contribuir para intervenções na sociedade. Não basta trabalhar só na clínica, na reabilitação. Se a realidade tal qual a conhecemos atualmente exclui tantas pessoas, nos cabe como educadores olhar para esse contexto de exclusão e instigar o exercício de criação de outras possibilidades. E a formação em psicologia ajuda a perceber as barreiras e reconhecer as potencialidades das pessoas com deficiência e do público diverso.
**Como você vê a importância da acessibilidade nas artes e como as artes podem contribuir para o desenvolvimento de pessoas com deficiência?
A arte é o campo do possível. No contato com uma manifestação artística, diferentes leituras de mundo são desencadeadas, possibilitando a construção de sentidos sobre determinadas questões. Enquanto o contato com testemunhos e expressões de diferentes épocas contribui para o desenvolvimento de um olhar sensível e crítico sobre contextos diversos, sejam eles passados ou atuais, o exercício de experimentação criativa permite imaginar e instituir possibilidades. Atravessados por uma questão é possível pensar, experimentar e transformá-la de maneira imprevisível.
Assim, são diversas as manifestações artísticas que trazem a consciência em diversos aspectos sobre a realidade das pessoas com deficiência, tanto para perceber os obstáculos, limitações, estigmas e preconceitos que ainda existem, quanto para se dar conta das potencialidades das diferentes formas de estar no mundo.
**Pelos vídeos publicados no Um Novo Olhar, podemos ter uma ideia do grande número de artistas talentosos – como músicos, cantores, pintores, artistas plásticos e dançarinos, entre outros – que têm alguma deficiência. Infelizmente, muitos ainda são desconhecidos do público. Você considera que falta maior apoio da mídia, de produtores etc? **
Sim, infelizmente ainda há um grande desconhecimento desses artistas todos. Por isso é bem importante promover ações que impactem um número grande de pessoas, como é o projeto Um novo Olhar. Fundamental ter projetos dessa natureza, que fazem os participantes deixarem de compreender as diferentes formas de estar no mundo como limitações e passem a compreender como possibilidades.
**Fale um pouco de seu curso no Um Novo Olhar**
No curso iremos, por meio de diversas referências artísticas e pedagógicas, refletir como é possível promover a equiparação de oportunidades, para todas as pessoas no estudo, fruição e produção artística. Percorrendo a pesquisa e a obra de artistas com deficiência, o curso Artes Integradas + Educação + Acessibilidade propõe a reflexão sobre nossas condutas dentro e fora da sala de aula e quais são as transformações necessárias para passarmos a compreender o que é normalmente entendido como limitação, como potencialidade. Por meio da conexão entre diferentes linguagens e práticas, investigaremos caminhos possíveis para a concepção de projetos educativos e artísticos acessíveis e inclusivos.
**Em sua mais recente edição, teve o Fórum Social Mundial teve como lema original “Um Outro Mundo é Possível” e visava o desenvolvimento de uma globalização solidária com diferentes temas, incluindo o da inclusãoacessibilidade. Um dos seus textos se chama “Um Mundo Possível”, como seria esse mundo?**
Difícil descrever em poucas palavras, mas basicamente seria um mundo em que haja equiparação de oportunidades para todas as pessoas. Um mundo no qual as diferenças são celebradas, as experiências são compartilhadas e, como menciono no texto, a qualidade das relações humanas se eleva todos os dias. Um mundo no qual o outro não é uma ameaça, que a diferença não é uma ameaça.
Para esse mundo possível, precisamos reconhecer as estruturas sociais que geram a violação dos direitos das pessoas, além de desenvolver um processo de autopercepção de cada um quanto ao seu posicionamento e possibilidades de atuação no contexto social. No aprofundamento e reflexão sobre as inumeráveis formas de estar no mundo, passamos a reconhecer possibilidades não exploradas de nós próprios, e de nossa relação com os outros.
Assim, percebemos como certas limitações se iniciam no corpo de cada sujeito e se ampliam e reverberam no corpo social. Porém, assim como as limitações, as potencialidades também podem ser reconhecidas e enaltecidas, possibilitando a ressignificação de estigmas e apontando caminhos para a construção de uma sociedade mais plural e justa.
**Daina Leyton** é educadora, psicóloga professora, escritora e consultora de acessibilidade cultural e de programas educativos. Concebeu a acessibilidade do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde coordenou o setor educativo de 2011 a 2020. Foi também curadora do programa Poéticas do Acesso do Sesc Belenzinho. Com vasta experiência em arte-educação, gestão cultural e promoção de saúde, idealiza e desenvolve projetos culturais que buscam a sensibilização e a tomada de consciência para uma vida em uma sociedade pluralista.
No curso *Artes Integradas + Educação + Acessibilidade* serão abordados os seguintes tópicos:
Acessibilidade Transversal
Artes e Culturas Surdas
As possibilidades do ensino da arte para além do olhar
Artes integradas: corporalidades e deficiência
Acessibilidade estética: ferramentas estéticas de mediação
O conceito de interdependência a de experiências poéticas