“Edição genética”: uma entrevista com Carlos Alberto Figueiredo, coautor do livro “Pedro I, o Músico”

O editor, regente e pesquisador nos fala sobre seu trabalho a partir dos textos escritos por Cleofe Person de Mattos há mais de 50 anos e agora publicados pelo Sinos.

Carlos Alberto Figueiredo é regente coral e pesquisador. Ele foi professor dos Seminários de Música Pro Arte e do Instituto Villa-Lobos, da UNIRIO, e é coautor do livro Pedro I, o Músico, produzido e lançado pela editora da Escola de Música da UFRJ, através do projeto de extensão Sistema Nacional de Orquestras Sociais – Sinos, parceria da Funarte com a UFRJ, e que está disponível para download aqui no site. Nesta entrevista, Carlos Alberto nos fala como foi o seu trabalho de edição do livro – que tem seu conteúdo baseado em uma pesquisa feita, há mais de 50 anos, pela musicóloga Cleofe Person de Mattos –, de sua relação com ela, e também sobre os projetos aos quais se dedica atualmente.

Saiba mais sobre o livro Pedro I, o Músico aqui.

Arte de Toda Gente Como e quando você se interessou pela música sacra brasileira do período colonial? Foi seu interesse pela obra de José Maurício Nunes Garcia que o levou a conhecer a musicóloga Cleofe Person de Mattos, que também pesquisava esse compositor e seu período? Vocês chegaram a trabalhar juntos?

Carlos Alberto Figueiredo – Conheci Cleofe Person de Mattos em 1971, quando passei a integrar o coro da Associação de Canto Coral (ACC), dirigido por ela entre 1941 e 1995. Sendo cantor do coro por longo tempo, fui desenvolvendo meu interesse artístico pela obra de José Maurício e pela música sacra brasileira do período colonial, já que essas obras eram frequentemente executadas e gravadas pela ACC. Cheguei a trabalhar junto com Cleofe na direção do coro da ACC. Meu interesse musicológico é bem mais tardio, datando da época em que fiz meu mestrado na UNIRIO, e depois meu doutorado, na mesma instituição. No âmbito musicológico, eu e Cleofe nunca chegamos a trabalhar juntos.

Os textos originais de Cleofe sobre D. Pedro I, que deram origem ao livro Pedro I, o Músico, foram escritos há mais de 20 anos. Como surgiu o projeto de organizá-los e complementá-los para que fossem publicados?

A realização desse livro veio a partir de um convite que recebi do maestro André Cardoso, no contexto do projeto de extensão Sistema Nacional de Orquestras Sociais, do programa Arte de Toda Gente, resultante de uma parceria entre a Funarte e a Escola de Música da UFRJ. No caso específico, a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil foi a motivação para explorar o lado artístico do nosso primeiro imperador. A riqueza do “Acervo Cleofe Person de Mattos” (ACPM) cria a possibilidade de pesquisas em torno dos materiais deixados pela pesquisadora. As fontes para o presente livro são materiais deixados por Cleofe a partir de sua pesquisa inacabada sobre D. Pedro I, o que ensejou as peculiaridades da minha abordagem editorial. Ou seja, trata-se de uma pesquisa feita por ela provavelmente na década de 1970, há mais de 50 anos.

Como foi o seu trabalho em relação ao conteúdo do livro, quais foram as suas maiores dificuldades? Poderia citar algum fato ou informação contida nos textos originais que tenha lhe surpreendido particularmente?

A edição de D. Pedro, o Músico foi um dos projetos mais interessantes nos quais me envolvi como editor. Trata-se não da edição de uma obra musical, mas uma “edição genética” a partir do material literário, em grande parte fragmentário, resultante da pesquisa e da redação de Cleofe Person de Mattos, como mencionei, provavelmente na década de 1970, certamente no bojo das comemorações dos 150 anos da Independência do Brasil. É um material fascinante, desafiador, que demandou não só preenchimento de lacunas, mas também a correção e atualização de informações não disponíveis naquele momento. O resultado gráfico da edição procurou deixar claro aquilo que foi escrito pela pesquisadora, distinguindo-se das minhas interferências editoriais. O resultado traz muitas informações importantes sobre D. Pedro I e sua atividade musical, principalmente a partir de pesquisas em fontes primárias de Cleofe Person de Mattos.

Para encerrarmos, poderia nos falar sobre suas atuais pesquisas e projetos?

Um dos meus principais focos na atividade musicológica tem sido a edição de obras de compositores brasileiros, portugueses e outros ativos em Portugal, como é o caso do italiano David Perez (1711-1778), que viveu em Portugal a partir de 1752. Realizei mais de 100 edições de obras com esse perfil. Recentemente, foi lançada pela editora da Universidade Estadual do Amazonas a edição crítica do “Mattutino de’morti”, de David Perez. Também está sendo lançado pela Funarte o quarto volume da coleção “Música Sacra Mineira”. Dois volumes ainda estão previstos. Trabalho neste momento, junto com José Alberto Pais, na edição crítica do “Te Deum” de Marcos Portugal, composto para a Aclamação de D. João VI em 1816, no Rio de Janeiro.