Dona Jandira, menina de 82 anos

Cantora com carreira iniciada aos 64 anos, Dona Jandira (hoje com 82) participou do Festival Arte de Toda Gente. No show, que você pode assistir no canal Arte de Toda Gente, no Youtube, acompanhada pelo pianista e compositor Túlio Mourão, ela interpreta os seus clássicos preferidos da música popular. Nesta entrevista, a alagoana nos fala sobre a presença da música em sua, das aulas com a mãe, professora de piano e acordeom, quando criança em Maceió, até poder finalmente se dedicar ao canto. “Fui audaciosa”, reconhece.

Poderia nos falar um pouco sobre sua trajetória? Imaginava que um dia viveria da música?
É muito interessante minha história, minha mãe era professora de música, sempre gostei de cantar. Costumo dizer que nasci cantando, mas em momento algum tive em mente ser cantora profissional. Foi uma coisa assim, sem explicação. As coisas acontecem e a gente tem que acompanhar.
Minha vida é tão engraçada…. Eu sempre gostei, sempre toquei (violão) em festas de igreja, aquele normal da minha época. Fui professora e tocava em aniversário, na faculdade, na escola. Era produtora e não sabia, porque já cantava com os meninos, fazia coral em datas cívicas.

Como foi parar em BH?
Sou alagoana de Maceió, me formei, ensinei, me aposentei e vim dar umas voltas pelo Sudeste. Vim para fazer outros trabalhos, porque sou artesã.

E como se iniciou na música?
Ao chegar em uma pequena comunidade perto de Belo Horizonte, um menino de 15 anos me convidou para fazer um trabalho, com poucas famílias, para melhorar a autoestima, essas coisas. Eu me assustei, mas pensei que se falasse que não gostava de cantar, pegaria mal para mim mesma, pois eu sempre gostei (risos). Pensei: “é covardia eu falar que não”. Já estava com 64 anos, dizer que não queria fazer, que não poderia fazer… Falei: “Eu vou fazer!”.
Eu não sou musicista, não sou grande violonista. Toco violão pois, como contei, estudei com a minha mãe. Então aceitei cooperar com ele e com a comunidade, num lugar praticamente estranho para mim.

Então a senhora acabou ficando à frente de um pequeno coral, mas por que decidiu obter o registro na Ordem dos Músicos?
Me propus a fazer um trabalho de seleção com a Ordem dos Músicos porque tinha que ter alguma coisa como segurança para me credenciar. Não poderia chegar numa comunidade como se fosse dona do lugar.
Periodicamente, a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), em Minas, faz testes aqui na cidade para selecionar os músicos práticos. No dia da banca, tinha muita gente jovem. Normal, até aí tudo certinho. E, para minha grande e maior surpresa, fui selecionada e logo convidada* para trabalhar na noite aqui em Belo Horizonte. Eu morava numa comunidade aqui pertinho.
(*No dia de sua avaliação, estava presente na banca examinadora José Dias, músico e compositor, que a convidou para cantar em casas noturnas de Belo Horizonte, assim surgiu uma parceria e novos convites para shows)

E como reagiu?
Isso para mim foi uma coisa inédita, até hoje não sei explicar. Costumo dizer que me assustei. Eu não tinha prática disso, gostava de cantar, mas minha mãe zelava muito por mim e eu não tinha costume de sair, andar, assistir shows, nunca fui disso.
Aos 64 anos, jamais havia pensado em ser cantora profissional, e nem fui eu quem pensou em fazer, fui convidada. Mas, graças a Deus, deu tudo certo.
Quando o senhor da OMB me chamou, achou que eu ia dar conta…. e eu sou um tanto quanto atrevida, atrevida no bom sentido (risos). Costumo falar que eu sou audaciosa. Uma pessoa com 64 anos, que não tinha experiência nenhuma no canto profissional, subir ao palco e cantar, enfrentar. Mas nunca tive receio de nada, eu sempre fiz e continuo fazendo o que eu sei fazer e estou muito bem até hoje.

A música renovou suas energias, trouxe felicidade?
Sim, sim, não tenha dúvida. Eu convivo com muita gente jovem, de todas as faixas etárias. O que aconteceu comigo foi ótimo! Noto que as pessoas gostam muito de me ouvir também, fico feliz com essa receptividade. Claro que eu tenho que ficar feliz!

Nesse período de isolamento a música é uma aliada?
Dessa pandemia nem gosto de falar muito, porque é uma situação dificílima. Se a gente for analisar, é complicado, mas todos nós artistas, cantores, de teatro, seja qual for a classe artística, sentimos muita falta do agrupamento, de tudo. Já o pintor, o desenhista, fica muito concentrado nele mesmo. Quem canta, quem toca, quem dança, depende de um determinado público, então a falta que a gente sente é bem maior.
Temos momentos tristes, a realidade da pandemia deixou a gente meio tristinho, mas nem por isso a gente se entregou.
Eu não deixei de fazer algumas coisas. No início sim, pois a gente se assustou, mas mais recente fiz alguns trabalhos, dentro dos protocolos necessários. E em casa a gente não deixa de ouvir uma música, de cantarolar, de tudo, porque senão a gente não dá conta não.
Isolados, sem poder dar vazão ao que gostamos de fazer, sentimos muita falta, e a música dá um conforto muito grande, deixa a gente mais liberado, é muito bom. Costumo falar que a música é uma coisa divina que a gente nem sabe explicar muito. Ela age, reage, a gente sente e aproveita os sentimentos, mas nem tem como explicar exatamente o que é, como é que é, o que ela faz.

Qual conselho daria para quem gostaria de começar, mas acha que é tarde para isso?
Realmente há pessoas, não só na música, que com 40 anos já dizem “já estou cansada, não vou fazer isso.” O que! Gente, eu vou fazer 83, não sinto a idade e costumo brincar dizendo que me sinto com quarenta e olhe lá! (risos).
E realmente é isso que eu estou lhe falando, e para todo meu público. Faço viagens, com toda minha banda, e tem muita gente tocando comigo. Tudo beleza, não reclamo, não sou uma pessoa pesada, que fica pensando que aquilo não vai dar certo. E, com isso, já tenho alguns exemplos de pessoas que se miraram em mim nesses 17 anos (de carreira). Eu fico muito feliz com isso, porque idade não é o físico, é a mente, é a cabeça, é você querer, ter disposição, é você ser audaciosa.
E brinco dizendo que isso não é marketing, não, porque na minha época nem tinha isso. É de mim mesma, é da pessoa. Você procura cultivar isso aí e ir em frente, nada de problema de idade. “Não, porque fulano já está velho para fazer isso….”. Velho não! Essa palavra no meu dicionário não existe, até hoje!
Eu estou indo sempre em frente, fazendo qualquer projeto e tudo bem, graças a Deus.
Vou fazer 83 anos em dezembro e fico supersatisfeita em falar isso, porque pouca gente fala com esse entusiasmo né? Eu só tenho a agradecer às pessoas que acreditaram no meu trabalho. A minha vida é somente bênçãos, graças a Deus.

Além de cantar a senhora aprendeu piano, acordeom e violão, com qual desses instrumentos se identificou mais?
O piano não era da minha família, não era qualquer pessoa que tinha condições de ter um piano. No caso de alguns alunos, os pais deixavam o piano na casa da minha mãe, na confiança, e a família aprendia dentro da minha casa, tendo minha mãe como professora. O acordeon não, era um instrumento que a gente já tinha podia comprar. Toquei muito. Que tempo bom, maravilhoso!
E quanto ao violão, o tempo vai passando, a gente vai procurando mais comodidade. Eu não sou violonista, eu não tenho formação de conservatório, mas sei música, formo os tons. Hoje, na banda em que eu trabalho tem professores, todos os músicos têm formação e eu não atrapalho ninguém, porque (cantarolando) “eu sei tudo que faço, sei por onde passo…”.
Sei o que estou fazendo e amo de paixão quando o violonista me acompanha, aquilo é um deslumbramento, é maravilhoso. Por isso que viajei nesses três instrumentos. Hoje eu faço mais trabalhos com violão, mas eu gosto mesmo, a minha preferência é por cantar, amo cantar.

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Desde que iniciou sua carreira profissional, aos 64 anos, Dona Jandira realizou mais de trezentos shows, em Minas e em outros estados brasileiros. Ela gravou seu primeiro CD em 2008, e. em 2012, lançou o DVD Dona Jandira ao Vivo, com participações de Luiz Melodia, Paulinho Pedra Azul e Marco Lobo. Em 2017, gravou o CD Afinidades, em dupla com o renomado pianista, compositor e arranjador Tulio Mourão. A partir daí (até as restrições da pandemia), tem feito turnês por todo o Brasil, incluindo shows em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e em muitas outras cidades do interior do país.

Assista à apresentação de Dona Jandira e de outros artistas aqui no site do Bossa Criativa e no canal Arte de Toda Gente no Youtube.