Em 2024, a Orquestra Sinfônica da UFRJ – OSUFRJ está completando seu centenário. Neste artigo, publicado originalmente no site da Escola de Música, no Dia Internacional da Mulher (8/3), o maestro, atual diretor artístico da orquestra e professor da Escola, André Cardoso, nos fala sobre a atuação destacada que elas tiveram – e continuam tendo – na trajetória do conjunto.
Dia Internacional da Mulher: uma homenagem às spallas da Orquestra Sinfônica da UFRJ
Por André Cardoso
Na história centenária da Orquestra Sinfônica da UFRJ, as mulheres sempre tiveram atuação destacada. No Dia Internacional da Mulher não poderíamos deixar de mencionar algumas delas. Sim, apenas algumas, pois foram muitas, como podemos ver na foto publicada em 5 de dezembro de 1925 no periódico Para Todos, na qual é possível observar o maestro Humberto Milano cercado pelas 28 integrantes dos naipes de violinos, todas mulheres.
Aqui abordaremos algumas das violinistas que exerceram a função de spalla, ou seja, a violinista líder, aquela que comanda a afinação, determina as arcadas a serem praticadas por todos no naipe e executa os eventuais solos. As diferentes fases pelas quais a orquestra passou condicionaram a ocupação do posto, seja por alunos, instrumentistas profissionais contratados ou servidores do quadro de técnicos da universidade.
A primeira a destacar, no entanto, não exerceu tal função, mas esteve presente no primeiro concerto da orquestra, em 25 de setembro de 1924. É Maria Iacovino Valls (1912-2008), então uma menina de 12 anos, aluna da professora Paulina D’Ambrosio, que integrou a primeira formação da Orquestra do Instituto Nacional de Música. Diplomou-se em 1927 e, após receber um prêmio do INM, seguiu para aperfeiçoamento na Europa. Ao retornar, já com o nome artístico de Mariuccia Iacovino, construiu uma sólida carreira como solista e camerista. Atuou em duo com seu marido, o pianista Arnaldo Estrella, professor da Escola de Música, no Quarteto do Rio de Janeiro e no Quarteto da Guanabara. A ela dedicaram obras, dentre outros, os compositores Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone, Radamés Gnattali e Camargo Guarnieri.
A primeira spalla a destacar é Yolanda Peixoto, que liderou a orquestra até 1934. Aluna de violino do professor Humberto Milano no INM, conquistou o prêmio Medalha de Ouro em 1927. Como camerista atuou em duo com sua irmã, a pianista Yvone Peixoto. Na década de 1940 formou um quarteto com outras ex-alunas do INM, a pianista Leonor Macedo Costa, a violista Carmem Boisson e a violoncelista Carmem Braga Bourguy. Como solista atuou à frente da Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos e da Orquestra do INM. Integrou o Trio da Rádio Vera Cruz e a orquestra da Rádio Sociedade Fluminense. Foi professora de violino do Conservatório Brasileiro de Música. Dentre seus alunos se destacam Ayrton Pinto e Paulo Bosísio.
A professora Paulina D’Ambrósio (1891-1976) foi outra violinista que atuou diversas vezes como spalla da orquestra. Estava em tal função no dia 19 de outubro de 1938, quando pela primeira vez a orquestra foi regida por uma mulher, a maestra Joanídia Sodré (1903-1975), professora que por 20 anos exerceu a função de diretora da Escola Nacional de Música, a de mais longa duração na história da instituição.
A professora Paulina D’Ambrósio foi uma das mais atuantes violinistas de sua geração. Em fevereiro de 1922 ela estava no Theatro Municipal de São Paulo, junto com outros professores do INM, participando da Semana de Arte Moderna interpretando obras de Villa-Lobos. Como docente formou várias gerações de violinistas, que inclusive se tornaram professores da Escola de Música em diferentes disciplinas, como Guerra-Peixe, Santino Parpinelli, Henrique Morelenbaum, Nelson de Macedo, Michel Bessler e Ernani Aguiar. Uma curiosidade: a professora Paulina D’Ambrosio foi quem estreou no Brasil o Poema para violino e orquestra op.25, de Ernest Chausson (1855-1899), obra que estará no programa da Orquestra Sinfônica da UFRJ no dia 11 de abril, tendo Mateus Soares como solista.
Após a reestruturação da orquestra, em 1968, o nome que se destaca como spalla é o da professora Else Baptista (1924-2017). Nascida na cidade de Niterói, onde cursou o conservatório local, graduou-se em violino na Escola Nacional de Música na classe do professor Oscar Borgerth. Casada com o maestro Raphael Baptista, atuou na Orquestra Sinfônica Universitária da Casa do Estudante do Brasil. Na Escola de Música foi professora de Prática de Orquestra. Foi uma das fundadoras da Orquestra Pró-Música, hoje Petrobras Sinfônica. Após a aposentadoria integrou a Academia Nacional de Música e a Associação de Ex-Professores da Escola de Música.
Outras tantas mulheres atuantes na orquestra como instrumentistas e regentes poderiam ser destacadas, mas aqui nos concentramos naquelas que atuaram na função de spalla, dentre as quais poderíamos incluir ainda, em distintos períodos, Cremilda Marques, recentemente falecida aos 90 anos, Carmelita Reis, Vera Barreto e Antonella Pareschi. O último destaque vai para nossas atuais spallas, Priscila Rato e Andréia Carizzi, que levam à frente com suas colegas instrumentistas, o legado deixado pelas diferentes gerações de mulheres que fizeram a história da Orquestra Sinfônica da UFRJ.