De multiatleta a multiartista

Integrante da Seleção Paralímpica de Judô* para cegos de 2006 a 2010, a carioca Ana Luiza Faria, a Analú, esteve no campeonato mundial da modalidade e ganhou medalha de bronze no Parapan de 2007. Versátil, ela chegou também a participar de campeonatos de natação, praticou patinação artística no gelo e, no atletismo, foi campeã brasileira no salto em distância para pessoas com deficiência visual, além de ter corrido provas de 100 e 200 metros, embora a a ginástica artística fosse sua modalidade preferida. Mais tarde, ela trocou os esportes pelo circo, outra paixão antiga, e que é o tema de uma apresentação sua aqui no site do projeto Um Novo Olhar (assista aqui: https://umnovoolhar.art.br/videos/apresentacoes/Apresentacao-or-Analu-Faria:-Circo-para-todos! )

Nesta semana o Brasil superou o número de 100 medalhas paralímpicas, o que demonstra a importância do esporte para o país e serve como incentivo e inspiração para que outros jovens com deficiência descubram novos talentos e habilidades.

As Paralimpíadas de Tóquio, que terminam no próximo domingo. 5 de setembro, não contaram com tiveram de público em decorrência da pandemia, mas a emoção das conquistas e das torcidas, ainda que de forma remota, foi a mesma. Em 2016, tivemos a oportunidade de vivenciar toda essa energia de perto, presenciando os gritos da torcida e até a concentração e silencio destas em partidas, como do Goalball, na qual os jogadores precisam escutar o som das bolas e qualquer ruido pode prejudicar.

Ana Luiza Faria, que adotou o nome artístico Analú Faria, começou no Judô tradicional, mas reconhece a importância de ter descoberto o judô paralímpico e poder competir em igualdade de condições.
Além dessa modalidade, pela qual defendeu o Rio Grande do Norte, ao se mudar para Natal, Analú fez patinação artística no gelo e praticava ginástica artística quando mais nova. Por influência da família, que considerava o esporte arriscado, porém, acabou largando na época. Ironicamente, hoje ela se arrisca ainda mais alto, no trapézio.

A artista e atleta, que nasceu com baixa visão, também é professora de Educação Física e exerceu a profissão até 2010, quando perdeu a visão totalmente, então passou a se dedicar profissionalmente à carreira circense.

**Neste depoimento, Analú faz um resumo de sua trajetória e fala sobre sua experiência com o esporte:**

*“Comecei a praticar esporte bem pequena, como toda criança que gosta de fazer tudo que assiste na TV, e também influenciada pela minha irmã. Ginástica artística foi a minha paixão, ficava encantada com os colchões coloridos e aqueles aparelhos. Eu não podia ver uma barra de ferro que queria ficar fazendo giros acrobáticos, como nas aulas de ginástica. Como eu só enxergava 8%, meus pais ficaram com medo e decidiram me tirar das aulas de ginástica, no Flamengo.*

*Me lembro de ficar muito triste, de pensar e dizer para mim mesma que um dia eu voltaria e continuar praticando essa modalidade.*

*Conheci então o Judô e praticava do lado da minha casa. Comecei numa época em que quase não havia meninas na modalidade. Meus pais acharam estranho, mas deixaram, porque sabiam que eu não queria ouvir outro não, e era bom poder praticar ao lado da minha casa.*

*Depois, decidi deixar o Judô e entrei para a ainda mais inusitada Patinação Artística, influenciada pela minha irmã, que também praticava na época. Minha mãe me deu um par de patins de gelo, que tinha sido usado pela filha da professora. Me lembro de ter ficado muito feliz, uma modalidade muito linda assim como a ginástica.*

**No ensino superior, mais oportunidades**

*“Quando entrei para a faculdade de Educação Física, voltei a praticar ginástica artística. Meu primeiro estágio, inclusive, foi no mesmo lugar em que eu havia começado nessa modalidade, o Clube de Regatas do Flamengo.*

*Paralelamente, comecei um estágio no Instituto Benjamin Constant e comecei a ensinar ginástica para crianças e adolescentes também cegos. Lá, descobri as modalidades paralímpicas. Voltei ao Judô e também tive a oportunidade de praticar natação e atletismo.*

*Quando entrei para a natação, logo comecei nas competições, mas sabia que aquela não era a modalidade para mim. Passei pelo atletismo e fui campeã brasileira no salto em distância para pessoas com deficiência visual, além de também ser velocista, correndo 100 e 200m.*

*Foi em um dia de competição no atletismo que vi meninas usando o quimono do Judô. Sim, acabei voltando para aquela modalidade que havia praticado quando era criança, só que agora competindo com outras meninas que também tinham deficiência visual.*

*Em 2006, passei pela seletiva, entrei na seleção e pude representar o Brasil nos jogos do Parapan no Rio de Janeiro e no Mundial para Cegos em São Paulo. Fiquei na Seleção Brasileira até 2010, quando perdi a visão e tive que parar por conta de várias cirurgias que vieram em seguida. Os médicos acharam melhor eu não praticar mais o judô por conta do impacto e então voltei ao atletismo.*

*Cheguei a fazer testes para as Paralimpíadas de Londres, no salto em distância, nem acreditei… Eu sou pequena, não tenho perfil para ser saltadora e nem velocista, mas a potência das pernas pequenas me ajudou muito na evolução. Por 1 cm eu deixei de ir a Londres, mas mesmo assim fiquei muito feliz de estar de volta ao esporte e poder representar o Brasil novamente.*

*Passou um tempo e acabei voltando ao Judô, agora sem enxergar, na classe para cegos. Foram muitos anos dedicados ao esporte, mas quando voltei a praticar teatro e circo, percebi que não estava mais tão empolgada com as viagens e com os treinos. Era hora de parar com esporte de alto rendimento.*

*Hoje me dedico ao circo, onde também é feito um treinamento muito forte, ensaios, apresentações e viagens…*

*Essa é minha vida, poder mostrar a minha arte e poder tocar o coração das pessoas. Minha medalha hoje são os aplausos do público e o poder que a arte faz no coração de cada pessoa que me assiste.*

**Um lema, um exemplo**

Seja de quimono, como Aladim na patinação no gelo ou com rosto colorido, na pele da atrevida palhaça Pinduca, Analú não para e mostra a importância do esporte e da arte, suas paixões. Se perguntam sobre sua deficiência visual, ela garante e prova que isso não gera nenhum limite: “A cegueira não é uma prisão, prisão é deixar de viver por conta da cegueira”, afirma.

Confira aqui uma outra entrevista com Analu, realizada um ano atrás, em que ela fala mais sobre a vida circense:
https://umnovoolhar.art.br/noticias/ANALU-FARIA-UMA-ARTISTA-QUE-NAO-VE-LIMITES

*O Judô foi a primeira modalidade de origem asiática inserida no programa paralímpico. O esporte é praticado por atletas com alguma deficiência visual e estreou em Jogos Paralímpicos na edição de Seul, em 1988, apenas com disputas no masculino. As mulheres só entraram nos tatames a partir dos Jogos de Atenas, em 2004. (fonte: Confederação Brasileira de Judô – https://cbj.com.br/paraolimpico/)

***Imagem de abertura: fotos de divulgação em montagem de Raffaella Bombiani***