“Arrasta-pé dos Insetos” estreia em Aracaju

Para compor a suíte “Arrasta-pé dos Insetos”, encomendada a ele pelo Sinos, Marcílio Onofre (nas fotos) fez uma pesquisa sobre esses pequenos animais encontrados na região de Mata Atlântica brasileira. Para isso, contou com a colaboração de sua namorada, a bióloga Viviana Márquez Velásquez, que também ilustra a capa da partitura. O “baile imaginário com esses bichos”, como define o compositor, pode ser apreciado durante o Concerto Sinos com a Orquestra Sinfônica de Sergipe – Orsse. A apresentação aconteceu no Teatro Tobias Barreto, em Aracaju, às 20h30 do dia 7 de setembro, com ingressos a preços populares. Confira a seguir uma entrevista exclusiva em que o músico fala de sua carreira e da nova composição.

Como começou sua carreira na música?

Minha trajetória na música começou ainda quando eu era criança. Lembro que minha avó materna, Laurinete, me presenteou com um estojo escolar que emitia sons, acho que tinha uma oitava, ou pouco mais… De alguma forma, ela percebeu que eu poderia levar algum jeito para a coisa e me colocou nas primeiras aulas de música, ainda pouco sistemáticas. De fato, eu comecei a levar o estudo da música mais a sério quando estava para ingressar na universidade. Fiz o bacharelado em Música, com habilitação em piano, e acabei enveredando pela composição, como aluno do Laboratório de Composição Musical da UFPB, o COMPOMUS/UFPB. Em seguida, completei a formação acadêmica com mestrado, doutorado e o diploma artístico.

Quais são suas influências? O que gosta de escutar?

Minhas influências são muitas e sou curioso por muitos e variados tipos de música. Desde o repertório das manifestações orais até o repertório do hip-hop, passando pela música medieval, regional, forró e assim vai. Acredito que é possível encontrar boas ideias musicais e elementos interessantes em músicas pertencentes a diferentes repertórios. Acho que é por isso que acabo ouvindo um repertório tão diverso.

Você foi finalista do ‘London Ear Festival of Contemporary Music’, na Inglaterra, além de ter sido premiado em outros festivais. O que te inspira a compor? Um acontecimento pode resultar numa composição?

Os concursos de composição funcionam como uma oportunidade de ter as peças tocadas, já que muitas e muitas vezes é dificílimo ter a performance de obra. Para mim, compor é um exercício, quase que uma atividade diária. Mais do que notas e sons, música significa estabelecer relações, que podem ocorrer entre notas e sons, obviamente, mas que também podem conectar algo maior, como pessoas, por exemplo, e a partir daí surgir a música propriamente. Como é muito raro receber alguma encomenda, especialmente aquelas com cachê, eu tenho preferido escrever obras para meus amigos próximos, alunos e colegas da UFPB. Acho que assim, pelo menos, atendo a alguma demanda local e sei que a obra será tocada.

Fale um pouco da obra “Arrasta-pé dos insetos” que terá sua estreia no concerto. Como surgiu o nome?

A obra orquestral “Arrasta-pé dos Insetos” é uma suíte dividida em quatro movimentos: I – Forró do “mané mago” (Stiphra robusta), II – Xote do escaravelho (Canthon corpulentus), III – Saideira do zigue-zague (Telebasis corallina) e IV – Um grilo da silibrina (Titanogryllus oxente). Juntamente com a minha namorada, a bióloga Viviana Márquez Velásquez, que também ilustrou a capa da partitura, fiz uma pesquisa de insetos encontrados no Brasil, na região de Mata Atlântica. Assim, criei um baile imaginário com esses bichos, mais ou menos como ocorre na famosa obra “O Carnaval dos Animais”, de Camille Saint-Saëns (1835-1921).

Cada movimento transita por diferentes estados de ânimo, e a parte rítmica ajudar a criar um contexto dançante fluido e outras vezes um cenário grotesco, construído a partir da combinação entre a percussão em si e os demais instrumentos da orquestra, sobrepondo assim personalidade e cores musicais. Imageticamente, a obra faz referência a um cenário pitoresco no qual os insetos são testemunhas e participam de um típico baile do interior, em chão de terra batida, sob a luz de candeeiro e embalado pelo clássico trio sanfona, triângulo e zabumba. A suíte “Arrasta-pé dos Insetos” tem uma finalidade didática, é direcionada a crianças, adolescentes e jovens e foi uma encomenda do Sistema Nacional de Orquestras Sociais.

Como você vê essa homenagem ao bicentenário em um concerto que mistura tradição europeia com composições brasileiras de diferentes influências? Os estilos se complementam?

Primeiramente, eu acho de extrema importância essa iniciativa de valorizar o Bicentenário da Independência. Até acho que deveríamos ter muito mais eventos como esse, concertos, exposições, encomendas de obras a artistas de diferentes ofícios, tamanha a importância e o simbolismo da data. No entanto, sabemos como é problemática a questão da preservação da memória no Brasil…

Em relação à mistura de repertório, eu acho isso algo natural, pois temos livre acesso aos diferentes repertórios a qualquer instante, tudo disponível “na palma da mão”, bastando poucos toques na tela de um celular conectado com o Spotify, Youtube ou qualquer outra rede do tipo. O mais louvável é ter música brasileira, especialmente de compositor vivo e digo isso não apenas por ser uma peça de minha autoria, poderia ser de qualquer colega compositor. É muito importante que as orquestras brasileiras tenham uma política continuada de performance do repertório composto pelos “vivos”.

Quais dicas você daria para quem gostaria de compor e não tem ideia de como começar? Qualquer um pode aprender a compor?

Acho que a dica mais importante que eu posso dar é a mais simples de todas: escute muita música. Ouça não apenas aquilo que você gosta de ouvir, mas a maior diversidade possível de repertório, música de outros povos, tocadas e cantadas com diferentes tipos de instrumentos e de vozes. Ouça essencialmente com a imaginação, tentando criar relações sociais, históricas, antropológicas, psicoacústicas, formais, estruturais, etc. a partir do estímulo que você está recebendo. Sem dúvida, qualquer pessoa pode aprender a compor e esse processo de aprendizagem levará toda uma vida.

 

Marcílio Onofre é Doutor em Composição Musical, professor do Departamento de Música da Universidade Federal da Paraíba – UFPB e membro do Laboratório de Composição Musical – COMPOMUS/UFPB. Possui Artist Diploma em composição pela Akademia Muzyczna w Krakowie, sob a orientação de Krzysztof Penderecki, com bolsa concedida pelo Mozarteum Brasileiro. Sua produção musical, premiada em diversos concursos de composição no Brasil e no exterior, inclui peças para diversas formações instrumentais, vocais e orquestra.

Veja o programa do evento e informações sobre os compositores aqui no site do projeto Sinos https://sinos.art.br/noticias/concertos-sinos-celebram-bicentenario-da-independencia-com-autores-brasileiros-em-sergipe/

O Concerto

Produzido com o Sistema Nacional de Orquestras Sociais – Sinos, como parte da série Concertos Sinos em homenagem ao Bicentenário da Independência do Brasil, o evento, com a Orquestra Sinfônica de Sergipe – Orsse, também celebra os 70 anos do compositor Amaral Vieira. A apresentação levará ao público sergipano um repertório exclusivamente brasileiro, com obras de Heitor Villa-Lobos, Antônio Carlos Gomes, José Maurício Nunes Garcia, Francisco Braga, além de duas estreias de peças dos compositores Roseane Yampolschi (PR) e Marcílio Onofre (PB). O concerto é fruto da parceria do programa Arte de Toda Gente, da Fundação Nacional de Artes – Funarte e da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ com a Fundação de Cultura e Arte Aperipê.