Izaura Lila define sua série de vídeo performances como “dança-casa-experimento-memória”. O primeiro episódio traz a performance Memórias Brincantes, que serve de base para o trabalho de criação e de dramaturgia presente nos demais vídeos. O processo se dá a partir de elementos do cotidiano, explorando as partes da casa da autora e a rotina do dia a dia, além de experimentações com os “corpos espontâneos” dos moradores da casa. “Nessa investigação, consegui descobrir a potência existente na relação entre o corpo e a memória, como também na força da palavra dita”, diz Izaura. Confira a seguir uma entrevista com a artista.
Como foi criar durante a pandemia?
Em janeiro do ano passado, meu primeiro filho nasceu. Em seus primeiros meses de vida, nos mantivemos em casa, por conta da licença maternidade. E, quando íamos começar a sair, veio a pandemia. Com todas as novidades da maternidade e a aflição da pandemia, veio também a finalização do mestrado, com a preparação dos produtos artísticos e a escrita da dissertação. Para mim foi um momento de resiliência e reinvenção. O processo de criação, por vezes, ficou bem turbulento, porém conseguimos observar a casa como espaço cênico, aproveitando todo o nosso território e a potência existente nele, como também dos moradores da casa.
Como você fez para driblar a escassez de equipamentos e outras dificuldades desse período de isolamento?
Para driblar a escassez de equipamentos usamos a criatividade (risos). Meu companheiro, Ciel Carvalho, é iluminador cênico. Ele utilizou alguns equipamentos de iluminação que temos em casa e também o seu olhar criativo para captar as imagens, depois fez as edições. Um grande amigo nos emprestou a câmera fotográfica e então trabalhamos juntos na dramaturgia de cada vídeo e assinamos esse trabalho juntos.
O que a inspirou a criar?
A casa onde moramos até hoje é uma herança da minha família. Desde que meus familiares vieram do município de Quixeré para Fortaleza, moram nessa casa. Minha mãe vive nela desde os quatro anos de idade. A casa é um lugar de memória, encontro e afetos. A interação com os meus tios que participaram dos vídeos se deu através das redes sociais. Fiz entrevistas com cada um deles, conversamos sobre as memórias que eles guardavam do interior, da casa, das manifestações da cultura popular, entre outras. Nessas conversas, meus tios contaram muitas histórias, cantaram e contribuíram bastante para a pesquisa e o resgate da história e da memória familiar.
No início, percebi que meus familiares ficavam um pouco tímidos para participar. Mas, depois, acho que eles começaram a gostar desse exercício de recordar e passaram a enviar bastante material e também a interagir entre si. Reativaram o grupo de Whatsapp dos irmãos (risos).
Você diz que seu projeto faz um paralelo entre as gerações da mesma família. Explique um pouco dessa relação.
Izaura é o nome da minha avó, matriarca da minha família, mãe da minha mãe. Eu recebi o nome de Izaura em homenagem a ela, que faleceu no ano em que nasci – ela morreu em janeiro e eu nasci em março. E, curiosamente, nasci bastante parecida com ela.
Minha mãe se chama Suzana. Ela sempre foi a maior incentivadora da minha trajetória artística e foi muito especial poder contar com a participação dela em todo o processo de criação da pesquisa e dos vídeos. Ela se surpreendeu bastante com o resultado e ficou muito feliz de poder assistir o trabalho e, de certa forma, ver a repercussão positiva dele.
Nesse ponto, o isolamento ajudou ou prejudicou?
O isolamento nos aproximou e nos fortaleceu como família, nos fazendo perceber as pequenas grandes alegrias da rotina diária. Acredito que o trabalho fala sobre isso, sobre ancestralidade, afeto e sobre as memórias como preciosidades. No que diz respeito ao trabalho de pesquisa e criação, o isolamento e a pandemia modificaram alguns rumos da pesquisa e do produto. Tivemos que transformar uma performance de palco em performance de vídeo. Foi bastante desafiador.
Izaura Lila é dançarina e brincante de cultura popular, membro do Grupo Miraira – Laboratório de Práticas Culturais e do Grupo de Estudos em Cultura Folclórica Aplicada – CNPQ/IFCE. Ela se encantou pelo mundo das artes na infância, e também pelo universo das manifestações da cultura popular. Participa de diversos espetáculos e trabalhos artísticos como dançarina, brincante e cantora.
Assista a apresentação deste e de outros trabalhos da Mostra Realidades Atuais em Artes aqui no site do Bossa Criativa e no canal Arte de Toda Gente, no Youtube.