A música nunca foi tão vital

O violonista, compositor e arranjador Maurício Carrilho está completando este ano 44 anos como profissional da música. Ele é um dos fundadores e, hoje, vice-presidente do Instituto Casa do Choro, uma referência no gênero e que produziu a série com o mesmo nome em parceria com o Bossa Criativa. Responsável pelo módulo 8 com e presente no módulo Furiosa Portátil, ele nos fala nesta entrevista sobre sua carreira, sobre o ato de compor e sobre o momento que vivemos. “Tenho a impressão de que a música nunca foi tão vital para o ânimo e a saúde mental das pessoas como agora”, afirma.

Confira mais informações sobre o módulo de Maurício e sobre todo o conteúdo da série Casa do Choro lendo esta notícia: https://www.bossacriativa.art.br/noticia/55 (foto desta matéria: Renata Green – divulgação)

Como a música entrou em sua vida? Quando decidiu fazer dela seria a sua profissão?

Minha família tem músicos há muitas gerações, cinco no mínimo, pela parte de minha avó paterna. Por parte de mãe também havia uns seresteiros mineiros. Muita música em casa, por discos e ao vivo. Não me recordo de nenhum momento na vida sem música.

Mas sempre tive curiosidade pelos assuntos relacionados à Medicina e tive realmente vontade de seguir esse caminho. Estudei até o 3º ano numa das melhores escolas do Rio de Janeiro, a Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, que ainda era UEG (Universidade do Estado da Guanabara), quando entrei, em 1975. Só que eu já estudava música desde os 9 anos. Quando tive oportunidade de me profissionalizar, convidado por Rafael e Luciana Rabello, e integrar o conjunto Os Carioquinhas, tive que escolher um caminho, já que as duas carreiras exigiam muita dedicação e era humanamente impossível fazer bem as duas coisas simultaneamente. Na verdade, eu não troquei a Medicina pela Música, só não troquei a música pela Medicina. Permaneci na Música.

Por vários anos você conseguiu fazer mais músicas do que os dias do calendário, como consegue essa alta produção?

Depois de muitos anos compondo esporadicamente, resolvi, em 2005, fazer isso todo dia. Eu vinha compondo bastante no fim de 2004 e fiquei curioso de saber, de sentir se haveria ou não um limite na linguagem do choro, ou na minha capacidade de lidar com essa linguagem. A experiência de compor todos os dias me mostrou que não existe esse limite. O choro é uma linguagem tão rica a e oferece tantas possibilidades, tantos caminhos, que é possível você trabalhar diariamente com ele sem se repetir, sempre descobrindo novas sonoridades.

A questão de fazer mais músicas do que os dias do ano é que, em alguns dias, eu encontrava um caminho diferente, e não conseguia percorrê-lo naquele mesmo dia. Então eu guardava aquela ideia começada, e começava outra música que tivesse uma finalização mais rápida. Assim, nos dias em que o tempo permitia, depois de compor a música do dia, eu tentava terminar as inacabadas. E no fim do ano acabavam sobrando umas 35, 40 músicas. Foi assim nos quatro anos em que realizei essa maratona de composição (2005, 2009, 2013 e 2017). Este ano estou fazendo o 5º anuário e, em 14 dias já tinha 18 músicas terminadas e duas inacabadas. Acho que no fim do ano vai acontecer a mesma coisa. A diferença deste ano é que estou gravando a música do dia e postando no Instagram e no Facebook. Assim, as pessoas podem acompanhar o que vai acontecendo, além de me ajudarem a batizar os choros, um problema crônico dos anuários anteriores!

O que o inspira a compor?

Uma vez, meu parceiro e compadre Paulo César Pinheiro me disse: “você sabe compor, e isso já é motivo suficiente para que tenha a obrigação de compor sempre”.

Como tem sido sua produção no isolamento? Facilitou ou prejudicou seu processo de criação? Tem alguma canção especial desse período que gostaria de destacar?

O ato de compor é solitário, assim o isolamento não faz diferença nesse momento específico. Só que ficar isolado 10 meses, sem repartir as alegrias e tristezas com os amigos, filhos, parentes queridos, é muito difícil. Sentar num boteco e tomar uma cerveja com os amigos… nunca pensei que isso faria tanta falta!

Estou gostando da produção deste ano. O fato de tornar pública a música de cada dia inclui um elemento dificultador, porém estimulante: é preciso que as músicas não só sejam boas, mas que apareçam para as pessoas numa ordem apropriada, como num roteiro de um show. Gostaria de destacar, pelo título, um choro: Seringa. Agora só falta o conteúdo.

Como surgiu a ideia da oficina Módulo 8 com e a parceria com o projeto Bossa Criativa?

Quando a confusão da pandemia começou, vários projetos que estavam em andamento tiveram que se adequar, se adaptar à situação de isolamento. Acho que a parceria surgiu porque tínhamos, além de profundo conhecimento específico sobre choro, muito material pronto que poderia ser usado para fins didáticos. Assim, pude, partindo de uma série de CDs que vinha gravando com minhas composições, os 8 com, dar minha contribuição para esse grande e importantíssimo projeto Bossa Criativa.

Como você avalia a importância da música e das artes em geral nesse momento de pandemia?

Vou completar, em 2021, 44 anos como profissional da música. Nunca vi, em nenhum momento, uma situação tão difícil para a categoria. Todos os problemas econômicos que a ausência de shows, gravações e aulas presenciais nos causam, os cortes de patrocínios fundamentais, curiosamente contrastam com o efeito curativo que nosso trabalho tem no dia a dia das pessoas. Tenho a impressão de que a música nunca foi tão vital para o ânimo e a saúde mental das pessoas como agora.

Maurício Carrilho é violonista, arranjador e compositor de destacada atividade, e acompanhou grandes nomes como Aracy de Almeida, Nara Leão, Elizeth Cardoso entre muitos outros. É fundador da Acari Records, a primeira gravadora do Brasil especializada em choro que, em 2001, lançou a série Princípios do Choro, reunindo em 15 discos preciosidades dos chorões do início do século. Em 2000, fundou a Oficina de Choro, ao lado de Luciana Rabello, Celsinho Silva, Álvaro Carrilho e Pedro Amorim. É professor de Violão na Escola Portátil de Música e também um de seus coordenadores.
Assista os vídeos da Série Casa do Choro aqui no site do Bossa Criativa e no canal Arte de Toda Gente no Youtube.