Desde quando começou sua formação no Magistério, a professora e regente Ana Lúcia Gaborim sonhava em trabalhar com crianças. Coordenadora de um projeto de extensão da Universidade federal do Mato Grosso do Sul – UFMS dedicado ao coral com esse público, ela integra a Comissão Organizadora do I Congresso Internacional de Música Coral Infantojuvenil – Um Novo Olhar e, na entrevista a seguir, fala de sua trajetória e, também, do evento que ajudou a organizar.
**O que o I Congresso de Música Coral Infantojuvenil tem de especial?**
Eu já participei de muitos congressos de Canto Coral, em várias cidades do Brasil e também no exterior. Mas a situação de pandemia, que se estabeleceu em todo o mundo, certamente nos trouxe um diferencial: a possibilidade de reunir muitos profissionais do mais alto nível (dentro da área coral), em um único espaço – o virtual. E além disso, tudo será oferecido gratuitamente, de modo que qualquer pessoa interessada no tema possa participar – o que, no modo presencial, exigiria muito investimento pessoal. Cada profissional falará sobre um tema de sua especialidade, junto a outros convidados em uma mesma mesa-redonda, promovendo um debate muito rico que poderá ser assistido por muitas pessoas. Isso contribuirá para termos um crescimento em grande escala, em nossa área. Certamente, se almejássemos um congresso com essa grandiosidade em modalidade presencial, seria necessário desembolsar muitos milhares de reais com a estruturação do evento, passagens aéreas, hospedagens e pró-labore para os profissionais. Ou seja, praticamente isso seria inviável em termos de uma área na qual pouco se investe…
**Como é a sua trajetória com a prática de canto coral infantojuvenil?**
A aproximação com o público infantojuvenil sempre fez parte de minha vida. Fiz o curso de Magistério (ensino médio) sonhando em dar aula para crianças. Sempre me identifiquei com elas. Antes mesmo de terminar o curso de graduação em Composição e Regência na Unesp, já comecei a trabalhar com um coro infantojuvenil na igreja, de forma amadora. Algum tempo depois, recebi uma proposta para trabalhar no Instituto Pró-Seguir, em São Paulo, e essa foi minha primeira experiência profissional com coro infantojuvenil. Me apaixonei. No mestrado, pesquisei sobre a iniciação ao piano para crianças – porque, na época, eu trabalhava mais com o ensino de piano, do que com coros. Mas, no doutorado, pesquisei a regência coral infantojuvenil – algo que eu já realizava de forma intuitiva, e com pouco conhecimento teórico. Essa pesquisa de doutorado me impulsionou a criar o PCIU!, Projeto Coral Infantojuvenil da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde sou professora do curso de Licenciatura. Com o PCIU!, fui estruturando uma metodologia de trabalho, fundamentando o conhecimento sobre a voz infantil e sobre a regência específica para este público.
**Por que um trabalho específico para o público infantojuvenil é tão importante?**
Primeiramente, é preciso conhecer os limites e possibilidades da voz infantil – ou seja, conhecer sobre técnica vocal. Isso é uma grande preocupação, porque um trabalho vocal mal feito pode gerar problemas de saúde vocal para as crianças. Além disso, um repertório não adequado para a voz infantil consequentemente não vai levar a uma boa sonoridade do coro. Por isso, também é importante conhecer repertório para essa faixa etária – não somente em termos de tessitura vocal, mas também em relação à temática que é apresentada nesse repertório, que deve ser adequada a essa faixa etária.
Em termos de técnica de Regência, não há muita diferenciação entre reger um coro adulto e um coro infantojuvenil. O gestual deve visar uma comunicação clara entre regentes e coralistas, e uma interpretação musical expressiva, em qualquer contexto.
Em termos psicopedagógicos, trabalhar com crianças é usar o elemento lúdico, a imaginação, a criatividade. É importante saber o que as atrai, o que as interessa, conhecer o universo infantil do momento. É essencial planejar um ensaio atrativo, onde as crianças aprendam brincando e se divertindo, mas que ao mesmo tempo, entendam sua responsabilidade e compromisso. Criança gosta de brincar, gosta de surpresas, gosta de novidades, gosta de atenção. Mas também não podemos nos esquecer da nossa condição de educadores, por isso também precisamos avaliar se as crianças estão compreendendo o que está sendo trabalhado, ao mesmo tempo em que transmitimos conhecimentos, discutimos valores e exigimos resultados – claro, dentro das possibilidades e limites delas.
Ainda tratando de psicopedagogia, é preciso saber motivar as crianças a participar do coro, saber fazer com que elas queiram estar presentes aos ensaios. Se o regente conquista as crianças, ele pode conseguir o interesse, o empenho e a dedicação delas na construção musical do grupo. É uma relação de confiança: as crianças acreditam que aquilo será prazeroso, que trará aprendizado e um bom resultado; e o regente, acredita que as crianças vão corresponder a todas as propostas que ele trouxer, e farão o seu melhor.
**Entre os temas listados para debate no Congresso, quais você considera como sendo mais sensíveis neste momento e porque?**
Muito difícil responder… Mas acho que a formação do regente, no Brasil, é a raiz de muitos dos problemas e dificuldades que enfrentamos. Quando nós, da organização, pensamos nos temas do congresso, discutimos o que seria útil e necessário para contribuir com a formação e com a prática dos regentes. Se tivéssemos um bom processo de formação de regentes – e tivéssemos uma política voltada para isso, um incentivo à prática coral em nível nacional –, muitos dos temas das mesas não seriam desconhecidos, nem uma “novidade” para muitos regentes.
**Como você vê o panorama do canto coral, hoje, no Brasil e, em particular, dessa prática com o público infantojuvenil?**
Este foi um dos temas pesquisados no meu doutorado, concluído em 2015. Àquela época, eu poderia dizer que o contexto brasileiro é muito diverso e não padronizado, em vários aspectos – estruturais, musicais, pedagógicos. Atualmente, eu trabalho com a formação de regentes no curso de Licenciatura, e tenho tido contato com gente de todo o Brasil – através do Fórum Virtual de Regentes –, que têm exposto seu contexto de trabalho e seus desafios. Pensando no panorama de agora, com a situação de pandemia, eu poderia dizer que o panorama é estranho, é obscuro, é incerto, é duvidoso, e até mesmo medonho. Se em 2015 – quando a situação era “normal” – já tínhamos um panorama indefinido, hoje, então, é mais indefinido ainda. Alguns coros estão com os ensaios suspensos, outros “ensaiando” a distância – como meu coro, por exemplo – e produzindo os “coros virtuais” (mosaicos). De qualquer forma, não estamos ouvindo os sons dos coros em nossos dias tal como ouvíamos antes.
**A inclusão é um assunto importante quando falamos de canto coral e, particularmente, para o segmento infantojuvenil. Você concorda com essa afirmação?**
Sim, concordo! Eu creio que a música pode transformar muitas coisas, e pode contribuir significativamente para o desenvolvimento cognitivo, psicomotor e socioafetivo do ser humano. Assim, no canto coral, a inclusão pode transformar a visão das pessoas por meio da convivência e do trabalho artístico em conjunto, E pode, ao mesmo tempo, contribuir para a melhoria da qualidade de vida de pessoas com necessidades especiais.
Ana Lúcia Gaborim é paulista radicada em Campo Grande, MS. Bacharela em Música – Composição e Regência, é mestre em Música pela UNESP e doutora em Artes pela USP. Sua tese, sobre a Regência Coral Infantojuvenil, recebeu menção honrosa no Prêmio Tese Destaque USP 2016. É professora do curso de Música da UFMS nas áreas de Regência, Canto Coral e Técnica Vocal; coordenadora dos projetos de extensão PCIU – Projeto coral infantojuvenil da UFMS e CanteMus e regente do Coro Feminino e do Coral da UnAPI (3a idade). Ana Lúcia tem publicados diversos artigos acadêmicos e é membro da Academia Feminina de Letras e Artes de Mato Grosso do Sul.