Inspirada pela mãe e pelo programa da apresentadora Xuxa, e com necessidade de novas formas para se expressar, Karine Souza se voltou desde cedo para a dança. Os movimentos corporais também são usados na comunicação e nas apresentações de poesia em Libras, outra vertente artística à qual se dedica. A poetisa e dançarina participa da apresentação artística de Slam Surdo, durante o III Encontro Um Novo Olhar de Arte/Educação + Acessibilidade, que acontece ente 23 e 25 de agosto, no Rio de Janeiro. Nesta entrevista – que foi feita em Libras, com a mediação de intérpretes – Karine nos fala de sua trajetória de suas artes e da sensação de liberdade proporcionada pela poesia em Libras – que ela define em versos dos quais retiramos a frase usada no título desta matéria.
Como você entrou nesse mundo da poesia e do slam surdo? Alguém a influenciou eou inspirou?
A minha motivação e a inspiração vêm da minha mãe, que sempre gostou de dançar e que me ensinou, aos dois anos de idade, a sambar. Esse gosto pela dança eu carrego até os dias de hoje. Uma outra influência na época era o programa da Xuxa, cujas danças, as músicas e o cenário marcaram a minha vida. Essas duas inspirações foram essenciais para que eu pudesse ingressar nessa área artística.
Descobri-me como artista na adolescência e esse momento ficou marcado para mim. Eu ia conversar com pessoas ouvintes, que não sabiam Libras, e não conseguíamos nos comunicar. Em situações como, por exemplo, falar sobre alguma pessoa do grupo, ou então quando eu citava algumas palavras e ninguém entendia. Via que era preciso criar alguma forma para que eles pudessem me entender. Tive então a ideia de usar elementos visuais da língua de sinais junto com o corpo, as expressões faciais, demonstrando características das pessoas, como, o corpo magro, o cabelo, os lábios, a roupa. Assim eu descobri que era possível me comunicar com um grupo de pessoas através desses classificadores, que naquela época eu não conhecia como “classificadores”. Fui aprender e estudar mais de forma aprofundada depois que eu ingressei na faculdade. Lá eu entendi melhor como funcionavam as regras, que havia uma estrutura e uma gramática por trás daqueles elementos.
Você considera que a poesia surda e o slam surdo são formas também de levar novas ideiasopiniões e inspirar reflexões no grande público, incluindo pessoas ouvintes e surdas?
Sim, porém é importante entender que cada uma tem suas especificidades. Há algumas regras distintas nessas duas apresentações e semelhanças entre elas. Como disse anteriormente, eu me comunicava com os meus amigos ouvintes através dos classificadores e todos entendiam o que eu queria. Por exemplo, eu posso fazer o sinal de beber + mais o sinal de “vamos” e todos irão entender, a comunicação acontece, ela fluí, as pessoas se comunicam. Qualquer pessoa que queira estudar e aprender mais sobre esses elementos visuais e artísticos pode participar também.
Uma outra coisa importante sobre a poesia, é que, geralmente, a poesia surda é apresentada por uma pessoa surda de forma individual, podendo ter a representação de um filme, uma história, podendo usar elementos do visual vernacular, lembrando que existem regras na poesia. Já o slam surdo acontece sempre em dupla, e isso é obrigatório. Por exemplo: há uma pessoa sinalizante e outra que usa o Português, e essa dupla trabalhará com as expressões corporais, expressões faciais, o ritmo, a melodia, e a batida. Existe uma dinâmica entre os dois, eles podem se tocar, trazer temas de resistência, de luta, e de opressões.
Na poesia também e possível trabalhar com temas parecidos, porém a apresentação será diferente. Na cena da briga, da luta, eu precisaria trabalhar apenas com o meu corpo, desempenhado mais de um personagem na cena. No slam, esses pares trabalham através dos corpos em cena, tendo uma dinâmica e um entrosamento. Então há essas diferenças.
Podemos encontrar diversas apresentações em São Paulo, onde há uma representação mais forte desse movimento surdo. Aqui no Rio de Janeiro é um pouco menos. Aproveito para agradecer novamente o convite e obrigado por esse bate papo, até logo!
Karine Monteiro de Sousa nasceu em 1982 no bairro Bangu no Rio de Janeiro. Surda, estudante no curso de Licenciatura em Letras Libras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Apresenta a poesia “Dança com classificadores em Libras “, com a qual ganhou um prêmio pela Faculdade de Letras da Universidade. Além disso, adora poesia e acredita na sua importância, pois é a arte da cultura dos surdos, que ela define em sinais, com o seguinte significado literal “É voz corpo liberdade poesia libras sinto perece livre borboleta voo e corpo poesia libras”.
Slam Surdo
Seis artistaspoetas, sendo três homens e três mulheres, realizarão apresentações artísticas em Libras. São eles: Alef Felipe de Souza. Daniela Cruz, Karine Souza, Paulo Andrade, Shirlei Barros e Weslei Rocha,
Toda a programação do III Encontro Um Novo Olhar de Arte/Educação + Acessibilidade, que acontece de forma presencial no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (Av. Rui Barbosa, 762, Rio de Janeiro) está sendo transmitida pelo canal Arte de Toda Gente no Youtube: https://www.youtube.com/artedetodagente. O evento é uma das principais ações do projeto Um Novo Olhar, parceria entre a Funarte e a UFRJ por meio da Escola de Música.
Confira Acompanhe programação do III Encontro Um Novo Olhar de Arte/Educação + Acessibilidade aqui pelo site do projeto Um Novo Olhar e pelas redes sociais do Arte de Toda Gente.
A entrevista foi toda feita em Libras – com a intermediação de intérpretes.
Foto de divulgação